3. ANTECEDENTES
3.1- Paranaguá em 1817
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Paranaguá por Debret (na época do nascimento de CJM) (Fonte: www.gilsoncamargo.com.br/blog) |
O distrito de Paranaguá
em 1815, dois anos antes do nascimento de CJM, possuía, segundo dados de Spix e
Martius citados por Saint-Hilaire, uma população de 5.801 habitantes, sendo 4.728
livres e 1.073 escravos (18,5% da população total). Os escravos compunham-se de
684 negros e 389 mulatos. A população livre era formada por 3.825 brancos, 541
mulatos e 362 negros (1).
Saint-Hilaire compara
esses dados com os de Daniel Pedro Müller
para 1838 relativos ao mesmo distrito. A população de Paranaguá se eleva
para 8.891 habitantes naquele ano, assim como o número de escravos aumenta para
1.639. Aumenta em termos absolutos mas eles praticamente mantêm a sua participação
relativa na população total (18,4%). Curiosamente, Saint-Hilaire -- que
percorreu a região em 1820 -- não chama a atenção para o peso da população
negra e mulata em Paranaguá, que em 1815 representava 34% do total, de acordo
com os dados citados. Ele destaca, sim, a influência indígena na população
parnanguara ao referir-se à forte presença nela do “caboclo”.
Assinala que o aumento
da população foi mais acentuado em Paranaguá do que em Curitiba, certamente
influenciado pelo fato de que a economia do mate, tomando um grande impulso a
partir de 1820, dinamizara o seu comércio exterior.
Saint-Hilaire salienta
também a evolução do número de embarcações, afirmando que, à época de sua
visita, cerca de 50 embarcações de pequeno
calado entraram no porto de Paranaguá (das quais uma dúzia pertenceria
aos habitantes da região) enquanto em 1836 o número dessas embarcações, de
países europeus ou sulamericanos, se elevava a 134.
Alguns anos antes, em
1812, Paranaguá perdeu para a vila de Curitiba a condição de sede da Ouvidoria
e Corregedoria Geral de uma ampla comarca, pertencente à província de São
Paulo. O Ouvidor e Corregedor Geral — cargo de funções relevantes, que fazia a
ponte entre a Câmara e o governo central — passaria a residir assim em
Curitiba, enquanto a residência do Juiz
de Fora seria em Paranaguá (2). Ambas
as vilas eram os núcleos urbanos que mais se destacavam em seu território, e
aquela transferência de sede talvez indicasse a conveniência estratégica, para
o governo província, de interiorizar a sede da comarca. Talvez indicasse também
uma reação à maior consciência política de Paranaguá, expressa pelo fato de que
sua Câmara, no ano anterior (1811), encaminhara representação ao Príncipe
Regente D. João pedindo que a Comarca fosse emancipada da província de São
Paulo. Paranaguá, conforme aí é dito, era então cabeça de uma comarca que
abrangia, além dela própria e de Curitiba, as vilas de Iguape, Cananeia,
Antonina, Guaratuba, Castro, Vila Nova do Príncipe (atual Lapa) e Lages (3) (as duas
primeiras são hoje cidades do Estado de S.Paulo e a última, de Santa Catarina).
De acordo com Cecília M. Westphalen, havia na
região de Paranaguá muita pobreza nessa época, indicada inclusive pelo caráter
de essencialidade dos produtos importados (fazendas, algodão, sal, açúcar e
ferragens). Dali eram exportados farinha de mandioca, e alguns outros produtos
(arroz, congonha – outro nome da erva-mate--, couro bovino, betas de embé (4) e peixe
salgado). Praticava-se uma agricultura predominantemente de subsistência (5).
Por outro lado, Vieira
dos Santos transcreve uma representação da Câmara de Paranaguá de 1820 em que
se mencionam os produtos que desciam de Curitiba para Paranaguá por uma estrada
“arriscada e quase intransitável”: carne verde e seca, toucinho, milho, feijão,
trigo, congonha, sola e couros. No sentido inverso, de Paranaguá para Curitiba,
“se transportavam vinhos, azeites, vinagre, aguardente, sal e fazenda seca e
outros ramos de comércio” (6).
As pessoas de posse da região deviam
dedicar-se à criação de gado e à lavoura, além do comércio, inclusive de escravos
(proibido por uma lei “para inglês ver” de 1831). O pai de CJM, antes de 1840, recebeu,
por herança, terras na baía de Paranaguá junto ao rio Itinga; já se dedicava então
à exportação de mate pois seu nome aparece numa relação de exportadores desse
produto daquele ano. Essas seriam as atividades econômicas desenvolvidas pelas
pessoas da região mais bem situadas economicamente. Desenvolve-se o comércio não
só com a Corte e outras cidades da costa mas também com outros países sul
americanos, caso do (futuro) Visconde de Nácar, que será o homem de negócios
mais próspero da região. Este funda em 1830, e mantém até o final do século, “a
principal casa comercial de Paranaguá, exportadora de erva-mate, arroz e outros
gêneros” (7) (em suas
propriedades havia mais de 50 escravos (8)). Paranaguá beneficiava-se de sua
localização geográfica, junto ao porto. Numa época em que tudo na Comarca era
importado, seja da Corte seja diretamente da Europa, bem se pode avaliar tal
importância. A dinamização da economia regional será decorrente assim da
exportação do mate, que significava o desenvolvimento das atividades ligadas à extração
da erva, seu processamento e transporte.
Após a sua extração “serra acima”, o mate era
transportado para o litoral, inicialmente nas costas dos escravos e depois em
lombo de burro, antes de ser concluída estrada carroçável (a estrada da
Graciosa), o que só ocorreu em meados da década de 1870. Uma vez realizada a
secagem, o mate estava em condições de ser socado nos engenhos aí existentes
até se obter o produto próprio para consumo, sob a forma de chimarrão, muito
apreciado nos mercados platinos e Chile. Segundo os historiadores, a exploração
dessa planta, já recomendada pelo Ouvidor Pardinho em 1720 como meio de superar
a pobreza da região, ganha impulso significativo cem anos depois
com a vinda
de Francisco de Alzagaray a Paranaguá, que marca o início do
desenvolvimento dessa atividade
econômica. De acordo com C.M. Westphalen, em 1826 a erva-mate já
representava 70% do total da exportação paranaense. Nessa época já havia em
Paranaguá três estabelecimentos de erva-mate (“toscos fornos”). “Toda erva-mate
preparada em Paranaguá vinha remetida da vila de Curitiba” (9).
A sociedade de então era escravista, como já
foi dito. Os escravos representarão em 1854, segundo Relatório do presidente
Zacarias, 20% da população de Paranaguá, enquanto representavam apenas 8,5% em
Curitiba (10).
Paranaguá em 1817 era uma “vila”. Só seria
elevada à categoria de “cidade” em 1842, juntamente com Curitiba. Sendo vila,
Paranaguá possuía Câmara de Vereadores. Aliás, tal Câmara tinha mais
importância então do que atualmente, exercendo não só funções legislativas mas
também executivas e judiciárias. Não havia prefeito. Era a instituição que
representava o poder público na comunidade, numa época de precárias vias de
comunicação e meios de transporte. Só com muita dificuldade superavam-se as
longas distâncias entre a sede da Comarca e a do governo provincial em São Paulo ou do governo
imperial, no Rio de Janeiro, este integralmente alcançado por via marítima, a
partir dos portos de Paranaguá ou Antonina, e aquele parcialmente, via Santos.
Na argumentação em prol da emancipação da Comarca dizia-se que Paranaguá tinha
mais ligação com o Rio de Janeiro do que com São Paulo, capital da província à
qual estava subordinada.
Em
1821 ocorreu em Paranaguá a chamada “Conjura separatista”, e a manifestação emblemática
do sargento Floriano Bento Viana, do Regimento de Milícias, em favor da
emancipação política do Paraná (11).
Do ponto de vista cultural, apesar de toda a sua precariedade,
Paranaguá estava em melhor situação do que Curitiba e dos outros núcleos urbanos
da Comarca, pois a existência do porto lhe facilitava o contato com sociedades
mais desenvolvidas. Pelo porto chegavam livros e jornais de outras cidades e
países (o fato de ser porto também contribuía para maior familiaridade com
línguas estrangeiras). Ainda não havia jornal publicado ali, em 1817, nem se
sabe da existência de escritores locais. Mas é interessante ressaltar que o
primeiro poeta paranaense, Fernando Amaro, vai nascer em Paranaguá no ano de 1831.
Também ali nascerá, em 1839,
a nossa primeira pintora, Iria Correia, a primeira
poetisa, Júlia da Costa, em 1844, e o importante compositor Brasílio Itiberê,
em 1846 (12). Os
parnanguaras tinham consciência do maior desenvolvimento de sua cidade com
relação a Curitiba, como mostra a argumentação contida na representação,
transcrita por Vieira dos Santos, da Câmara de Paranaguá, em 1843, dirigida ao
presidente da Província, em que reivindicam a emancipação da sua Comarca (13).
NOTAS
(1) SAINT-HILAIRE,
Auguste de—“Viagem pela Comarca de Curitiba”. Curitiba: Fundação Cultural,
1995- p. 152, 156-157 (coleção Farol do Saber)
(2) SANTOS, Antônio
Vieira dos—“Memória Histórica de Paranaguá”. Curitiba: Vicentina, 2001- v. I,
p. 226
(3) Ibid., v.I, p.218-219
(4) Betas: feixe de
fios; cabos usados a bordo. Imbé: tipo de planta trepadeira que fornece fibras
para corda (dicionário Houaiss)
(5) WESTPHALEN,
Cecília M.- “Porto de Paranaguá, um Sedutor”. Curitiba, Governo do Paraná,
1998- p. 216 e 227
(6) SANTOS, A. Vieira
dos— op cit, v.I, p 237
(7) WESTPHALEN,
C.M- op.cit., p. 182
(8) “Dicionário
Histórico- Biográfico do Estado do Paraná”- op cit, p. 205.
(9) WESTPHALEN, C.M- op.cit., p. 239
(10) Relatório do
Presidente Zacarias na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15.07.1854-
mapa nº 14- apud IANNI, Octavio—op cit, p. 104
(11) “Dicionário
Histórico- Biográfico do Estado do Paraná”, op cit, p. 97-98.
(12) SANTOS, Pompília
Lopes dos—“Florescimento da Arte no Paraná”
in “Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense”. Curitiba, v. XVII, 1972- p. 123-137
(13) SANTOS, A.
Vieira dos— op cit, v.I, p.319-320
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Espanha- localização de Cádiz (Fonte: internet) |
3.2- Origens familiares
CJM pertencia, por parte de pai, à família
Munhoz (ou Munhós, ou ainda Munhoenz, como consta nos documentos mais antigos).
A origem dos ancestrais de CJM, radicados em Paranaguá, é mais recente do que a
de outros portadores desse sobrenome, presentes no território brasileiro já no século
XVI (1). Para seu neto, o escritor Alcides Munhoz,
A
família Munhoz no sul do Brasil e nas repúblicas platinas provém de um único
tronco de origem que teve o seu início em Tarancon, província espanhola de
Cuenca. O seu primeiro representante foi um empregado régio de impostos, no
século dezesseis. Um dos seus descendentes veio para a América pelo meado do
século dezoito. Viera, como militar, para as possessões espanholas do sul, para
a Banda Oriental, provavelmente, em serviço da coroa. (2)
Nas páginas seguintes apresento informações,
colhidas em diferentes fontes, sobre os ascendentes de CJM, especialmente seus
pais, e o meio social em que viveram.
*
Segundo Francisco
Negrão, seu pai -- o tenente (de Milícias) Florêncio
José Munhoz, doravante FJM -- nasceu em Paranaguá, filho de Bento Antônio
Munhoz e Miquelina de Assumpção, “naturais de Cádiz”. Mas não informa mais nada
a respeito desse casal, apenas que os pais de Bento chamavam-se Bernardo Munhoz
e Rosa Maria e os de Miquelina, Manoel Ignácio do Vale e Lourença Maria (3).
Ricardo Costa de
Oliveira (4) extraiu de um processo de dispensa
matrimonial de 1795 relativo aos noivos José Bernardo Munhoz e Rosa Maria de
Miranda (batizada em Paranaguá em 8 de março de 1763) a informação de que os
pais de José Bernardo chamavam-se
Bernardo Antônio Munhoz (de Cádiz, Espanha) e Rosa Maria da Rocha. Deduzo daí
que esses eram os nomes completos dos pais de Bento referidos por F. Negrão. E
que Bento era irmão de José Bernardo, já que seus pais eram os mesmos. Outra
informação interessante obtida desse processo é a de que os avós paternos de
José Bernardo, e por conseguinte de Bento, chamavam-se João Munhoz e Ângela Maria, de Cádiz.
O pai de FJM deve ser o
Bento Munhoz citado por Vieira dos Santos na relação dos cidadãos parnanguaras
“que serviram nos cargos de governança
desde 1750 a
1800” (5). E deve ser aquele Bento José Munhoz
cujo óbito ocorreu no período 1801-1802, conforme o “Mapa necrológico”
preparado por esse autor a partir dos registros das Irmandades do SS. Sacramento
e de N.Sra.do Rosário, já que F. Negrão afirma que Balbina, irmã de FJM, era
filha de Bento José (e não Bento Antônio) Munhoz e de sua mulher Miquelina
Maria de Assumpção (6). Também no registro de batismo de Bento
Florêncio, filho de FJM, o nome do avô paterno é Bento José, e não Bento Antônio,
e o da avó é Maria Miquelina, e não Miquelina Maria, conforme informação que me
foi fornecida pela Mitra Diocesana de Paranaguá.
Quanto ao avô Bernardo, poderia ser
aquele Bernardo Antônio Munhoz cujo óbito, no período 1809-1810, constou no “Mapa
cronológico” antes referido (7). F. Negrão cita um Bernardo
Antônio, “falecido em Paranaguá em 1809” como um possível irmão de FJM, mas não
está certo dessa relação de parentesco, ao contrário dos outros irmãos que menciona, ou
melhor, irmãs, Francisca, Balbina e
Maria. A primeira, Francisca Munhoz de Siqueira, casou com o Tenente Bento José
de Siqueira, Balbina Maria de Assumpção com o Capitão Antônio José de Carvalho
e Maria Munhoz com Manoel de Oliveira Cercal (8).
“Bento Munhoz” (o pai
de FJM?), como disse acima, consta da relação apresentada por Vieira dos Santos
dos cidadãos parnanguaras que serviram em cargos de governança no período
1750-1800. Essa é a referência mais antiga a um Munhoz na sua “Memória
Histórica de Paranaguá” (o nome “Bento José Munhoz” também aparecerá em relação
semelhante, referente a 1800-1850). O mesmo autor, na p. 171, v.1, dessa obra,
arrola “mais de 30 pessoas da governança”, aí incluídos os membros da Câmara,
que assinaram em 19 de maio de 1781 uma reclamação contra a nova tarifa de
pagamento pelos “toques dos dobres de sinos da igreja matriz” de Paranaguá,
diferenciada segundo o gênero ou a idade da pessoa falecida (homens, mulheres,
meninos de 7 a
14 anos). Nessa relação não consta Bento nem outro Munhoz, indicando talvez que
os ancestrais de FJM ainda não haviam se estabelecido na região, ou se já o
haviam, isso ocorrera há pouco tempo, pois ainda não tinham sido escolhidos
para integrarem a “governança”, o que só teria ocorrido assim após aquele ano
de 1781.
Sessenta anos antes, em 1721, na relação apresentada por Vieira dos
Santos dos “115 cidadãos principais” que assinaram os Provimentos do ouvidor
Rafael Pires Pardinho, após sua leitura e aprovação na sessão da Câmara da vila
de Paranaguá realizada em 16 de junho daquele ano, também não consta nenhum
signatário com o sobrenome Munhoz (9), o que certamente ocorreria se eles já
estivessem radicados na região.
Relacionado à família,
consta aí apenas o nome de Manoel do Vale Porto, o fundador de Antonina, o qual
virá a ser bisavô de Luíza Lícia, a esposa de FJM, com quem este se casará
quase cem anos mais tarde. Vieira dos
Santos informa que em 1714 o sargento-mor de ordenanças da capitania de
Paranaguá Manoel do Vale Porto e os residentes da localidade que se tornaria a
atual Antonina requereram ao bispo do Rio de Janeiro “a faculdade de poderem
levantar uma capela debaixo do título de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa”, o
que lhes foi concedido (cf op cit, v.I, p 118). Essa é a origem de Antonina, cujo
nome homenageia o príncipe D. Antônio Pio (1795-1801), filho de D. João e D.
Carlota Joaquina (10), irmão
portanto de D.Pedro I, falecido criança. Em
1785 o vigário da igreja matriz de Paranaguá informava à Câmara que a freguesia
do Pilar abrangia 1.826 pessoas (enquanto a vila de Paranaguá possuía 3.427).
Tal freguesia só alcançaria o status de
vila em 1797 (11).
A
presença de representantes da família Munhoz no Brasil é muito antiga, segundo
C.G. Rheingantz (12), datando do século XVI. De
acordo com Alcides Munhoz, esses ancestrais de FJM radicaram-se no país mais
recentemente. Teriam emigrado da Espanha só no séc.XVIII, e em melhores
condições econômicas, aparentemente. A cidade portuária de Cádiz localizada bem
ao sul do país, próxima ao estreito de Gibraltar, pertence à região da
Andaluzia. Em 1755 ocorreu ali um maremoto, que quase acabou com a cidade.
Talvez esse fato tenha influenciado a decisão, por parte dos pais, ou avós, de
FJM, de emigrarem para o Brasil (13).
Do ponto-de-vista da
história do nosso continente, exatamente na metade do século XVIII Espanha e
Portugal celebraram o Tratado de Madri pelo qual entraram em acordo
relativamente às fronteiras de suas possessões sul-americanas (Portugal perdia
a Colônia do Sacramento e abandonava suas pretensões ao estuário do Prata mas
ganhava, em compensação, os territórios do sul do Brasil, do sul matogrossense
etc). Todavia, mais tarde, em 1761, as hostilidades entre os dois países
reiniciaram, como decorrência de seu envolvimento, em campos opostos, na Guerra
dos Sete Anos, entre a Inglaterra e a França. A esta aliou-se a Espanha num
“pacto de família”, dos Bourbons, enquanto o rei de Portugal, apesar do
parentesco, preferiu permanecer fiel à aliança com a Inglaterra. As
hostilidades só cessariam definitivamente com a celebração do Tratado de Santo
Ildefonso em 1777, consolidando a posse portuguesa do atual território brasileiro
do sul, e de outras regiões (14).
Com o reinício dos
conflitos, segundo Vieira dos Santos (15),
“A Espanha fez logo aprontar em Cádiz uma grande esquadra de guerra, guarnecida
de tropa sob o comando de Dom Pedro de Cevallos, e enviada à costa do Brasil,
onde chegando, logo tomaram a Ilha de Santa Catarina” em 1777 (e não em 1772,
como aí consta). Os espanhóis se retirariam dessa ilha no ano seguinte. Sabe-se
também que Cevallos, a partir de Montevidéu, atacou a Colônia do Sacramento
naquele mesmo ano. Mas o Tratado de Santo Ildefonso, como já foi dito, poria
fim a essas hostilidades, com a definição acordada dos limites entre as possessões
das duas coroas ibéricas.
É nessa conjuntura que pode
ter vindo de Cádiz o primeiro Munhoz ancestral de CJM (e não de outros representantes
da família Munhoz existentes em nossa terra, cuja origem é mais antiga, conforme
Rheingantz referido acima). Isso é coerente com a citação de Alcides Munhoz
transcrita antes neste trabalho, para quem esse primeiro Munhoz seria um
militar e teria vindo para a Banda Oriental do Uruguai “pelo meado do século
dezoito”.
Resumindo as
informações sobre os ancestrais do pai de CJM expostas anteriormente: FJM era
filho de Bento
Munhoz e Miquelina de Assumpção. Neto de Bernardo Antônio Munhoz e Rosa Maria
da Rocha. Bisneto de João Munhoz e Ângela Maria. Seus ancestrais espanhóis procediam
de Cádiz, na região da Andaluzia.
Além disso, Bento era
irmão de José Bernardo e Joaquim Antônio Munhoz (ver a nota (41), ao final desta seção do capítulo 3, a
justificativa desta afirmação relativamente a Joaquim). Talvez também o fosse de
Pedro Antonio Munhoz. Eles seriam assim tios de FJM.
*
O casal Florêncio José Munhoz-Luíza Lícia de Lima Munhoz teve os
seguintes filhos, segundo Francisco
Negrão (16):
1.Caetano José Munhoz,
nascido em Paranaguá aos 17 de junho de 1817.
2. Bento Florêncio
Munhoz, batizado em 6 de agosto de 1824 (segundo me informou a Mitra Diocesana
de Paranaguá, baseada no livro dos registros respectivos). Ele casou com Maria
do Céu Taborda Ribas. Não tiveram descendentes.
3. Maria Lícia Munhoz, batizada em 29 de junho
de 1829, cujos padrinhos foram o capitão Joaquim Antonio Munhoz, solteiro, e
Catharina Maria do Espírito Santo, viúva (17).
Ela casou em 2 de fevereiro de 1850 com Manoel Martins da Rocha, filho de Manoel
Martins e Maria Joaquina de Souza, naturais do Reino de Portugal, freguesia de
São Martinho de Campos (18). Maria Lícia Munhoz e Manoel Martins da Rocha
são os pais do Cel. Bento
Munhoz da Rocha, de quem descendem diretamente dois governadores do Paraná.
4. Balbina Lícia Munhoz,
que casou com o Major Mathias Taborda Ribas, “comendador e importante
industrial”, irmão de Maria do Céu antes referida, “sem descendentes”. Assim,
os irmãos Bento Florêncio e Balbina casaram com os também irmãos Maria do Céu e
Mathias.
*
Em que ano FJM nasceu? No
livro de registro de óbitos em poder da Mitra Diocesana de Paranaguá (que
gentilmente me forneceu a informação que segue) consta que ele, natural e
morador de Paranaguá, faleceu em 1856, aos 65 anos de idade. Logo, seu
nascimento ocorreu em 1791. Como se vê, seu período da vida (1791-1856) corresponde
basicamente à 1ª metade do século XIX, quando ainda não existia a província do
Paraná e a região estava subordinada à de São Paulo, como a sua 5ª. Comarca.
O “Ensaio d’um Quadro
Estatístico da Província de São Paulo” de Daniel Pedro Müller, que é de 1838, mostra
como estava organizada então essa província, dividida em comarcas, que se
subdividiam em termos, os quais abrangiam vilas, freguesias e capelas curadas.
A província de S. Paulo dividia-se em 6 Comarcas e 24 Termos.
A 5ª. Comarca era
composta de três Termos, os de Paranaguá, Curitiba e Castro. O Termo de Paranaguá incluía as vilas de
Paranaguá, Guaratuba e Antonina, a freguesia de Morretes (anexa a esta última)
e a capela curada de Guaraquiçava (sic). O Termo
de Curitiba abrangia a vila de Curitiba
e as freguesias de S. José dos Pinhaes, Votuverava e Palmeiras (sic). Abrangia
também a vila Nova do Príncipe e a freguesia de Rio Negro, anexa a esta última
vila. O Termo abrangia ainda a capela curada de Campo Largo. O Termo de Castro abrangia a vila de
Castro e as freguesias de Guarapuava, Belém no Tibagi, Jaguariaiba (sic) e
Ponta Grossa.
Como se vê, em 1838 a 5ª. Comarca possuía
seis vilas: Curitiba, Nova do Príncipe (atual Lapa), Castro, Paranaguá, Guaratuba
e Antonina (19).
Três
delas localizavam-se no litoral, indicando a importância relativa dessa região
na época de FJM.
*
Qual era a situação
econômico-social de Paranaguá nesses anos? Tentarei caracterizá-la em rápidas
pinceladas me beneficiando dos resultados obtidos nas pesquisas amplas e sistemáticas
realizadas por Cecília Westphalen.
Em 1772, censo realizado na
província de S.Paulo revelou que a população da vila de Paranaguá era superior
à de Curitiba: tinha 3.193 hab, enquanto a de Curitiba, 1.939 hab. Mas no ano
da instalação da província do Paraná, em 1854, a situação se
invertera. Enquanto a população de Paranaguá (termo da cidade) crescera para
11.573 hab, a do termo de Curitiba crescera para 20.629 hab. A nova província do Império contava
então com uma população de 62.258 hab (20).
No
final do séc. XVIII, o estado sanitário da população litorânea era péssimo: em
1788, um surto epidêmico matou cerca de 10% de toda a população de Paranaguá.
Havia também muita pobreza (21).
Aliás, quanto à pobreza, vale a pena lembrar
aqui a passagem seguinte da “Memória Histórica” de Vieira dos Santos (22). Segundo o
“pai da historiografia paranaense”,
em resposta a uma
determinação de D. Luiz Antonio Botelho Mourão, General da Capitania de S.
Paulo, que mandara a comunidade parnanguara contribuir para a construção de uma
fortaleza na barra da baía de Paranaguá com recursos próprios, a Câmara, em
“vereança” de 28 de janeiro de 1766, deliberou que “atendendo ao miserável
estado da terra e seus moradores, lhes não convinha contribuir com coisa alguma
para a mesma obra”. E mais adiante a Câmara acrescentava esta observação sobre
a população da Vila: “distinguindo a qualidade de seus moradores, se achariam
só sessenta ou setenta com algum tratamento, o mais tudo gente de pé descalço” (não
é de se admirar, portanto, que gente com alguma posse, como os Munhoz, logo se
destacassem dentre essa população muito pobre).
Em
1800, Paranaguá exportava farinha de mandioca, arroz socado, arroz com casca,
congonhas, meios de sola, couros de vaca e de boi, farinha de trigo, betas de
embé, viradores (ou cabos usados para reboque, atracação de barcos etc), peixe
salgado, goma, café. Por outro lado,
Paranaguá importava fazendas, algodão, sal, açúcar e ferragens.
Em
1808 a
Câmara de Paranaguá obrigava a todos os possuidores de terras e sítios a
plantarem mandioca em suas lavouras, pois havia falta de farinhas. Os exércitos do Sul reclamavam tal
abastecimento (23).
Quanto
à erva-mate – responsável por todo um ciclo econômico, a partir da década de
1820, de importância crucial para a formação do Estado do Paraná --, os moradores da Comarca não aproveitaram
da Provisão Régia de 1722, que autorizava o comércio, inclusive com Buenos
Aires (24), certamente pela ausência de
capitais (25). A comercialização da erva-mate
limitava-se no séc. XVIII às pequenas permutas com os barcos nacionais, que
vinham para cá em busca de farinhas de mandioca e arroz (26).
Em
1808 ocorreu a abertura dos portos às nações amigas, inclusive o de Paranaguá (27). Quando as remessas de erva pelo Paraguai
para o mercado de Buenos Aires foram escasseando, em decorrência de medidas
restritivas ali impostas, os preços se elevaram. A demanda cresceu e abriu-se
oportunidade para a nossa erva (28), o que enriqueceria os comerciantes
de erva-mate (29).
Em
1820, chegou a Paranaguá o argentino Francisco de Alzagaray. Antes da década de
1820 e de Alzagaray não havia ali exploração econômica do mate (mas havia
engenhos de açúcar desde 1780, e em 1785 principiara a cultura do arroz em
Paranaguá) (30).
Em
1826, a
erva-mate já representa 70% do total da exportação paranaense; nessa época,
havia em Paranaguá 11 engenhos de destilar aguardente, 6 engenhos de pilar
arroz, diversas caieiras (ou fábricas de cal) e 3 estabelecimentos de erva-mate
(“toscos fornos”). Toda erva preparada em Paranaguá procedia da vila de
Curitiba, como já foi dito.
Alguns
anos depois, em 1830, Manuel Antônio Guimarães (futuro Visconde de Nácar)
fundou, e manteve até a última década do século, “a principal casa comercial de
Paranaguá, exportadora de erva-mate, arroz e outros gêneros” (31).
Em 1836, as vilas do litoral produziam
aguardente, café, arroz, farinha de mandioca principalmente, peixe, tabuado,
vigas e betas de embé; as do planalto (Curitiba, Castro e Príncipe), que se
dedicavam à criação de gado vacum, cavalar e lanígero, produziam feijão e,
sobretudo, erva-mate (32).
A perseguição de navios negreiros
pelos ingleses em nossa costa, e o incidente com o cruzador inglês “Cornorant”
na baía de Paranaguá, indicam que o negócio de escravos era praticado na
região, inclusive após a lei de 1831, que proibia o tráfico. Romário Martins
chega a afirmar que este prosseguiu mesmo após 1850 (33).
A
navegação no porto de Paranaguá era realizada por embarcações à vela. Somente
em 1839 entrou em Paranaguá o primeiro barco a vapor. As embarcações a vapor
seriam mais frequentes no porto posteriormente, na 2a. metade do
século (34).
*
Sobre
a educação de FJM, suponho que teve aquela típica da época para as pessoas de
sua condição social. Os jesuítas mantiveram um colégio em Paranaguá no século
XVIII. Mas foram expulsos do Brasil em 1759, muito antes do nascimento de FJM,
ocorrido em 1791. Por isso, a hipótese dele ter sido seu aluno fica descartada.
FJM pode ter sido enviado para estudar nos centros maiores (São Paulo, Rio de
Janeiro) ou mesmo no exterior, como era usual com relação aos filhos das
classes dominantes. Se permaneceu em sua cidade, pode ter recebido aulas de
professor particular, ou frequentado escola régia, onde aliás só brancos
estudavam (dela estavam excluídos os índios e os negros) (35).
Vieira dos Santos (36) apresenta
algumas informações relacionadas à educação em Paranaguá no final do século XVIII e começo do século
XIX. Havia então “professores régios” que poderiam ter instruído o jovem FJM.
Em 6 de setembro de
1768 uma provisão passada no Rio de Janeiro por um representante da autoridade
eclesiástica de Lisboa e Diretor Geral dos Estudos nomeava o padre Inácio Pinto
da Conceição “professor régio da gramática latina da vila de Paranaguá” .
Mais tarde, pela
vereança de 26 de julho de 1783,
a Câmara representou à rainha D. Maria I “a necessidade
de haver um professor régio para o ensino das primeiras letras” .
Cinco anos depois, em
1788, Provisão Régia de D. Maria I faz “mercê a Francisco Inácio do Amaral
Gurgel do lugar de substituto da escola de ler e escrever e do catecismo na
Vila de Paranaguá da Capitania de S. Paulo”. Em 1790 esse “professor de
primeiras letras” recebe uma carta em que um escriturário de São Paulo, por
determinação do General da Capitania, o convida a vir residir naquela cidade e
ali abrir uma escola. Pelo que diz Vieira dos Santos, aparentemente esse
professor aceitou o convite, descontente com o atraso do pagamento de seu
ordenado. Deixou como substituto Manoel Lobo de Albertim Lanoia. Esse fato
mostra que professores régios poderiam abrir escola particular.
De qualquer forma,
F.Negrão acha que ele foi professor em Paranaguá por alguns anos, a julgar pelo
que diz Vieira dos Santos a respeito de suas aulas, de onde “saíram ótimos
discípulos, muitos dos quais tomaram ordens sacras, outros seguiram várias
ciências, e a maior parte se aplicaram ao comércio”. Afirma ainda, baseado no
mesmo cronista, que ele faleceu em 1807 (37).
No ano de 1789, Vieira
dos Santos registra em sua obra uma Provisão Régia de D. Maria I “fazendo mercê
a José Carlos de Almeida Jordão, de professor da cadeira de gramática latina,
da Vila de Paranaguá”, cargo ao qual é reintegrado em 1810, por mais seis anos
(ele exercia a cadeira desde 1780). Assim, FJM pode ter tido aulas (inclusive particulares)
com os professores Amaral Gurgel, Lanoia ou Almeida Jordão.
*
A julgar pelos dados disponíveis, FJM foi uma
personalidade importante em sua comunidade. É mencionado várias vezes na
“Memória Histórica de Paranaguá” de Vieira dos Santos, escrita em 1850, e
também na “Genealogia Paranaense” de Francisco Negrão, publicada em 1926, onde
tomei conhecimento de sua existência, e dos descendentes.
Dentre as “famílias mais principais” de
Paranaguá de então, Vieira dos Santos cita a dos “Munhozes” (38).
O nome de FJM e também de seus parentes constam
na “Sinopse dos cidadãos paranaguenses da principal nobreza que têm servido os
cargos da governança na mesma cidade desde o ano de 1800 a 1850”, incluída na obra de
Vieira dos Santos (39). Cargo da
“governança”, no caso, significa certamente ter sido ele membro da Câmara
Municipal. Satisfazia assim aos critérios pecuniários, e outros, estabelecidos
na Constituição Imperial de 1824 para ser votado.
Mas não é como vereador
que ele assina ata de uma vereança da Câmara de Paranaguá, realizada em 18 de
novembro de 1820, conforme o livro respectivo, transcrita por Vieira dos Santos
(40). Tal reunião contou com a presença do
Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca, Juiz de Fora, três vereadores, o
procurador e o escrivão, além de gente da “nobreza da vila”, caso de algumas
pessoas, dentre as quais Joaquim Antônio Munhoz e FJM (que assina por último a
ata, em 21º lugar, talvez por ser o mais moço; Joaquim é o 13º a assinar). Todos assinam (a começar pelas
maiores autoridades, o Ouvidor Geral e o Juiz de Fora) após o registro dessa
reunião no Livro de Vereanças, onde se afirma que eles se reuniram ali para
“para efeito de se dar cumprimento ao ofício do Exmo. General desta Província
relativo à determinação da Carta Régia de 17 de julho do corrente”, Carta essa
que se referia à “fatura da Estrada de Curitiba”. Relativamente a essa
finalidade principal da reunião, os presentes concordaram em “se pedir a El Rei
(D. João VI) a graça de mudar a Estrada da Graciosa para a dos Morretes”, além
de outros assuntos. O Corregedor ficou “encarregado de pôr na presença de Sua
Majestade”. Como aí é mencionada também uma representação da Câmara de
Curitiba, supõe-se que tanto Curitiba como Paranaguá viam como mais favorável
aos seus interesses naquela conjuntura a estrada ligando o litoral ao planalto
que passava por Morretes, em vez da Estrada da Graciosa. Preferiam assim o
chamado Caminho do Itupava (ou do Cubatão), que começava em Porto de Cima,
próximo a Morretes.
Vieira
dos Santos registra em sua cronologia, quase dois anos depois, uma sessão
solene da Câmara de Paranaguá realizada em 12 de outubro de 1822 em regozijo
pela independência do Brasil ocorrida há pouco, na qual os presentes juraram
“obediência e fidelidade ao Imperador Constitucional do Brasil o Senhor Dom
Pedro I”. Enfatizando esse caráter constitucional, aclamam o Imperador desde que
ele se comprometa previamente a “jurar, guardar e manter e defender a
Constituição que fizera a Assembléia Geral e Constituinte e Legislativa do
Brasil”. Participaram do evento, além do Ouvidor da Comarca e do Juiz de Fora,
“oficiais da Câmara, autoridades eclesiásticas, civis e militares, nobreza e
povo” e 76 pessoas assinaram a respectiva ata (41).
No ano seguinte, os nomes de Joaquim Antônio Munhoz e José Bernardo
Munhoz (42) constam do rol de signatários de uma
manifestação, datada de 23 de março de 1823, da Câmara de Paranaguá, declarando
nula “a cláusula de prévio juramento de S. Majestade Imperial à futura
Constituinte, inserta na ata da aclamação celebrada por esta Câmara” em 12 de
outubro de 1822, confiando assim na “constitucionalidade de S. Majestade”.
Vieira dos Santos informa ainda que o documento foi encaminhado a S.Majestade
por meio da Secretaria de Estado dos Negócios do Império (43).
Quanto à Constituição, em 2 de fevereiro de 1824 a Câmara de Paranaguá
encaminhou uma representação dirigida ao Imperador, assinada, dentre outros,
pelo Tenente FJM (juntamente com o Cap. Joaquim Antônio Munhoz). Os 52 signatários
-- membros da Câmara, clero, nobreza e demais cidadãos da Vila -- rogam à
Majestade Imperial sancionar projeto de Constituição que fora encaminhado à
Câmara anteriormente (44). Isso de
fato ocorrerá em 25 de março de 1824, data em que foi sancionada a primeira
Constituição do Brasil. A representação é reveladora da valoração que essas
lideranças parnanguaras atribuíam aos princípios liberais e à monarquia
constitucional.
A lei de 1º de outubro de 1828, que dispunha
sobre as câmaras municipais de cada cidade e vila do Império, estabelecia, em
seu art. 1º, que as câmaras da vila se comporiam de sete membros e de um
secretário (Paranaguá era então uma vila; só foi elevada a cidade em 1842).
Essa lei
dispunha que podiam ser vereadores todos os que pudessem votar nas assembleias
paroquiais, tendo dois anos de domicílio dentro do Termo (art. 4º). Segundo a
Constituição de 1824 (art. 92), podiam votar nessas assembleias: 1) os que
tivessem 25 anos ou mais (porém os que tivessem menos de 25 anos mas fossem casados,
oficiais militares, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras também
poderiam votar); 2) os que não fossem filhos-família que estivessem em
companhia dos pais (exceto se servissem ofícios públicos); 3) os que não fossem
“criados de servir”; 4) os que não fossem religiosos dos claustros e 5) os que
não tivessem de renda líquida anual pelo menos 100$ “por bens de raiz, indústria,
comércio ou emprego”. Os cidadãos que
compunham tal assembleia escolhiam os eleitores da paróquia e podiam também votar
na eleição de vereadores (45).
FJM,
sendo vereador, satisfazia assim a esses critérios elitistas da época.
Na obra citada de Vieira dos Santos o nome de
FJM consta também na relação de pessoas que contribuíram financeiramente para a
“fatura da estrada desta Vila (Paranaguá) para a freguesia de Morretes, com a
comunicação para a central de Curitiba”,
conforme reunião da Câmara de Paranaguá em 24 de maio de 1831. FJM contribuiu
com 4$000, a mesma contribuição de Floriano Bento Viana, que entrou para a
nossa história no episódio conhecido como “Conjura Separatista”. Na relação
também consta o nome de José Bernardo Munhoz, que “ofereceu serviços para
administrar”, e o dos cunhados de FJM Antônio José de Carvalho e Bento José de
Siqueira (cada um contribuiu com 6$400) (46).
Pelos
fatos conhecidos, deduz-se que FJM desfrutava de boa situação econômica, o que
não era o caso de outros Munhoz em Paranaguá naquela época. O próprio Vieira
dos Santos cita um certo Antônio José Munhoz que passaria a receber um auxílio
financeiro de 60 réis diários da Ordem Terceira de S. Francisco das Chagas,
conforme deliberação de sua congregação em 1820, “por impossibilidade de
doenças e não poder trabalhar” (47).
Florêncio casou-se com uma trineta de Baltazar
Carrasco dos Reis (48), cuja descendência é o título inicial do volume
I da “Genealogia Paranaense”. FJM incorpora-se assim a esse tronco familiar,
dos mais tradicionais, pelo casamento com Luíza
Lícia de Lima. Ela era filha do capitão Agostinho da Silva Vale -- pessoa
importante na época, cujo nome é um verbete do Dicionário Histórico-Geográfico
de Ermelino de Leão (49) -- e de sua
segunda esposa, Maria Ângela de Lima, que se casaram em Curitiba no ano de
1786, conforme F. Negrão. O Dicionário afirma que ele descendia, pelo lado
paterno, das famílias Martins Leme e Carrasco dos Reis e, pelo lado materno, do
sargento-mor Manoel do Vale Porto, fundador de Antonina (50) (de quem
Luíza Lícia era bisneta). Francisco Negrão afirma que o cap. Agostinho
(juntamente com o alferes José da Costa Pinto) foi arrematante do contrato de
arrecadação das passagens e cargas dos portos do rio Cubatão e dos rios
situados entre o Cubatão e o S. Francisco (51). Tal contrato referia-se ao triênio 1778-1780.
Novo contrato, relativo ao triênio seguinte, 1781-1783, foi arrematado por
Agostinho em sociedade, inicialmente, com Manoel Gonçalves Guimarães e depois,
com Manoel Lourenço Pontes (v. nota 54, abaixo).
Esse contrato, segundo Samuel Guimarães da
Costa, referia-se a “um serviço de navegação fluvial cuja concessão dependia do
distante Governo de São Paulo através da Junta da real Fazenda” (52).
O
Contrato das Passagens do rio Cubatão
(nome antigo do
Nhundiaquara) fazia parte de um tipo de concessão de uma época de privilégios e
protecionismos, que somente podia beneficiar figuras de projeção local e de bom
trânsito nos altos círculos sociais e políticos da Capitania, homens abastados
em condições de assumir compromisso de prestar serviços de interesse público de
grande responsabilidade (53).
Mais
adiante, afirma o mesmo autor:
Pelo que diz Júlio Moreira, esse Contrato
das Passagens que funcionava como serviço de navegação do Nhundiaquara, com
posto fiscal no Porto de Cima e/ou em Morretes, devia ser um dos negócios mais
rendosos, quer para o Erário Real, quer para os próprios contratantes, e muito
disputado entre os homens abastados e detentores de influência política (54).
Não só as vinculações familiares indicam o
“status” social de FJM. Também a sua condição econômica, ou principalmente
esta, uma vez que é sobre a base econômica que se define a estrutura de classes
sociais. Nessa sociedade em que as classes dominantes são as que detêm a posse
da terra e de escravos, FJM era senhor de ambos, embora não dos maiores, pois
seu nome não consta na relação, preparada por Vieira dos Santos, dos principais
“proprietários fazendeiros” da região. Todavia, consta aí o nome do cunhado de
FJM Antônio José de Carvalho, dentre os “proprietários que têm suas fazendas de
agricultura e nelas fábricas de cana, arroz, mandioca e a maior parte com
propriedades na Cidade e senhores de 15 a 30 escravos” (55).
Na obra de Samuel G. da Costa antes referida,
uma biografia do último capitão-mor de Paranaguá (1782-1857), contemporâneo de
FJM, lê-se ainda o seguinte:
O tipo de ocupação agrícola, de estilo
patriarcal e latifundiário, que se adotou no período colonial e emprestou
características peculiares ao chamado Brasil lusotropicalista, não foi
exatamente o mesmo na parte meridional da Colônia. Mas nas terras férteis,
quentes e úmidas da baía de Paranaguá, principalmente na transição do século
XVIII para o XIX, são muitas as similitudes, onde em propriedades rurais
relativamente grandes houve um período de esplendor tal como o que ocorreu no
Nordeste açucareiro, no Recôncavo baiano e na Baixada fluminense. Esse
fastígio, ainda que não muito duradouro, não poderia ter existido sem o
concurso do braço africano, mediante o regime de trabalho escravo então adotado
(56).
Na sequência, o autor refere-se à elevada
incidência dos escravos na população de Paranaguá e região: em 1772,
representavam 44% e em 1830, 25% do total (segundo D.P.Müller, referido antes, 18,4%
em 1838). A concepção de Gilberto Freyre quanto ao caráter da colonização
portuguesa no Brasil seria assim aplicável à Paranaguá da época.
FJM fazia parte dessa sociedade patriarcal,
dominada pelos senhores de terra e escravos.
Nela, o trabalho no campo e na cidade, inclusive doméstico, era feito
por escravos, cujo tráfico, nacionalmente (conforme a historiografia
brasileira), só cessaria de fato após 1850, com a lei Eusébio de Queirós,
embora já houvesse lei anterior, de 1831, que o proibia.
FJM e sua família deviam viver numa casa
compatível com seu “status” social, contando com o conforto permitido pelas
condições da época, em que praticamente todos os objetos eram importados da
Europa (móveis, lustres, tapetes, louça, talheres, piano, objetos de decoração,
tecidos, vinhos, produtos alimentares etc).
Ao luxo da casa grande, que se abria ao visitante em ocasiões festivas,
naturalmente se contrapunha a pobreza da senzala. Para muitos senhores, os escravos
não eram vistos como pessoas, titulares de direitos, e sim como bens de
produção, algo semelhante aos semoventes, que os fazendeiros também possuíam. Mas
os cativos não se conformaram com essa concepção, e resistiram a ela, também no
campo jurídico, especialmente a partir da lei de 1871 (lei do Ventre Livre),
promovendo ações para obter sua liberdade e para arbitramento das indenizações (abaixo
do preço de mercado) ao proprietário visando a sua alforria...(57). Os escravos
eram usados para todo tipo de trabalho e por todas as organizações, inclusive filantrópicas
e religiosas.
FJM era proprietário rural, criador e
lavrador. Vieira dos Santos assim se
refere a ele no capítulo IV da “Memória Histórica de Paranaguá”,
dedicado à descrição das suas baías, dos rios que nelas deságuam e dos
“estabelecimentos de agricultura mais notáveis em suas margens”. Em meio a tal
descrição menciona o rio Itinga ou Tinga, constatando “próximo a ele um grande
campo de criação de gado onde tem mais de 80 reses com muitas vacas de criação,
propriedade de Florêncio José Munhoz” (58).
Francisco
Negrão, certamente baseando-se no “pai da historiografia paranaense”, afirma
que FJM “era proprietário, no Itinga, de um grande campo de criação de gado,
onde possuía mais de oitenta reses, com muitas vacas de cria; foi adiantado
lavrador” (59).
No Dicionário de Ermelino de Leão consta o
seguinte a respeito de “Itinga:
(I-rio,
tinga-branco). Rio que rega o mun. de Paranaguá e deságua na baía entre as
barras dos rios Bocuriuna e Itinguçu. Outrora houve aí uma fazendola de
propriedade de Florêncio José Munhoz. O terreno foi reg. na paróquia de
Paranaguá sob o n.5” (60).
Como lavrador, os produtos cultivados por FJM
deviam ser, principalmente, aqueles mais comuns na região -- a mandioca (para
produzir farinha), arroz e cana-de-açúcar, sendo possível também a presença de
engenhos (de pilar arroz, de açúcar) em suas fazendas.
Além dessa propriedade junto ao rio Itinga,
que deságua na baía de Paranaguá, no lado oposto ao da cidade, Ermelino de Leão
(61) menciona
outra: um sítio em Canavieiras, município de Paranaguá, com 300 braças de
frente, adquirido em 1848 (suponho que o sítio situava-se junto ao rio do mesmo
nome). Próximo dali, em Boa
Vista, localizava-se propriedade de Manoel Antônio Pereira
(1782-1857), o último capitão-mor de Paranaguá (cargo equivalente hoje em dia
ao de prefeito), assim descrita por Vieira dos Santos:
por ser hum lugar dos
mais formosos que tem naqueles contornos e nelle há famozo estabelecimento com armazéns
para se fazerem as compras de generos e hua caza de negocio que hé do
proprietário Capitão mór Manoel Antonio Pereira (...). Nessa propriedade
funcionava também moinhos de pilar arroz e mandioca e fábrica de aguardente,
olaria, armazens e paiós e, ainda casas de moradia senzalas e muita
escravatura” (62).
Os
mapas anexos (63) mostram a
localização do rio Itinga e também do Canavieiras (obs: v. mapas no final desta seção 3.2).
A propriedade do Itinga está registrada sob o
nº 750 no Livro de Registro de Terras da Paróquia de Paranaguá, conforme
determinou a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, e decreto nº 1318, de 30 de
janeiro de 1854. O Livro consta do acervo do Arquivo Público do Paraná, onde o
consultei. Este é o teor do registro (negritei, DVE):
Nº 750- Florencio
José Munhós morador desta Cidade vem declarar conforme o Regulamento de trinta
de janeiro de mil, oitocentos e cinqüenta e quatro artigos noventa e três e
cem; que é senhor e possuidor de uma
fazenda no lugar denominado Itinga, ou Hixiry-Pyjussara, distrito desta Cidade,
compreendendo um campo de criar e cultivados bem como outros terrenos comprados
a diversos por escrituras públicas; cujos cultivados são contíguos à mesma
fazenda. As divisas são pela parte de cima a encontrar com terras de Felipe
Tavares de Miranda a sair a várzea e pelo lado debaixo pelo rio Itinguassu a
encontrar com terras de Joaquim Cordeiro e Rafael Pinto, e de aí para o sertão;
cuja posse da dita fazenda obteve por
herança de sua finada tia Dona Catharina Maria do Espírito Santo em seu testamento
no ano de mil oitocentos e quarenta: os
fundos tanto da Fazenda como dos cultivados comprados por escrituras a diversos
como acima disse, vão dar ao sertão, e a frente não está medida. A extensão poderá ser mais ou menos de mil
e quatrocentas braças mais ou menos o que por ser verdade mandei passar
dois de um teor que assino. Paranaguá dezoito de Maio de mil oitocentos e
cinqüenta e seis – Ilustríssimo Senhor Reverendo Vigário Colado desta Paróquia
– Florêncio José Munhós – Nada mais se continha nesta declaração que em
cumprimento ao artigo 103 do Regulamento citado a que fiz fielmente registrar,
cujo exemplar a que me reporto, numerei, anotei, e emassei, segundo o artigo
104 do mesmo Regulamento. Nesta Cidade
de Paranaguá aos 22 de Maio de 1856. O Vigr. Col.do Gregório José Lopes Nunes.
(Nota-se que
o registro da propriedade foi feito pouco mais de 3 meses antes de FJM falecer.
Estaria já doente, ou prevendo seu próprio fim?).
Como uma braça equivalia a 2,2 m (64), a extensão
mencionada, de 1400 braças de frente, correspondia a 3,080 km (e o sítio de
Canavieiras antes referido tinha 660 m de frente).
F. Negrão nos informa que Dona Catharina Maria
do Espírito Santo, casada com o alferes Candido Xavier dos Anjos, era mãe de
Catharina Maria Xavier, prima de Luíza Lícia (a esposa de FJM), pois se casou
com Ignácio José Diniz, filho de seu tio José Nery de S. Maria, irmão de
Agostinho da Silva Vale (65). D.Catharina
já era viúva em 1829, quando foi madrinha de batismo de Maria Lícia, filha de
FJM, como vimos. Segundo F. Negrão, ela faleceu em 21 de janeiro de 1838. Se
issa informação for correta, o seu testamento, referido acima, não pode ser de
1840, mas anterior a essa data.
O nome de D. Catharina
aparece na relação de pessoas, transcrita por Vieira dos Santos (66), que contribuíram financeiramente em
1826 para dar começo à obra de um novo frontispício da capela do Senhor Bom
Jesus dos Perdões em
Paranaguá. Ela contribuiu com 6$400. Subscrição posterior
viabilizaria a construção das paredes do corpo da igreja.
Em 1840, o nome de FJM constou de uma relação
dos exportadores de mate pelo porto de Paranaguá (67). Certamente FJM exportava o mate que
seu filho, Caetano José Munhoz, produzia serra acima, pois aí se estabelecera
em 1834. O mate era transportado então em
lombo de burro para o litoral.
Segundo diversas referências na historiografia
paranaense, Caetano foi um dos primeiros a implantar engenho de erva-mate em
Curitiba, naquele ano de 1834, e ocupou um papel importante no desenvolvimento
dessa atividade econômica em nossa terra, até falecer, em 1877. Seu Engenho da
Glória originou posteriormente as Imperiais Fábricas de Erva-Mate de Francisco
Fasce Fontana (68). Logo
depois, em 1836, o futuro sogro de Caetano, João Gonçalves Franco, requer à
Câmara Municipal de Curitiba, juntamente com outros, concessões de terras e
águas para a instalação de engenho de soque de erva-mate (69).
No livro “Álbum de Memórias- A trajetória das
Indústrias no Paraná” as autoras afirmam que CJM registrou o Engenho da Glória
em 27 de julho de 1834, salientando que essa empresa e o Banco da Bahia “foram
as primeiras firmas registradas no Brasil”. Mas infelizmente não informam em
que se baseiam para fazerem tal afirmação (70).
*
O círculo social de FJM, representado pelos membros das associações
filantrópicas a que pertenceu, incluía as pessoas mais notáveis da região,
vinculadas às famílias Correia (antepassados do Barão do Serro Azul), Guimarães
(antepassados do Visconde de Nácar), Leão etc.
Nesses tempos de instabilidade política, posteriores à abdicação de
D. Pedro I, ocorrida em 7 de abril de 1831, num Brasil recém-independente,
constituiu-se em 9 de outubro do mesmo ano, em Paranaguá, a Sociedade Patriótica dos Defensores da
Independência e Liberdade Constitucional, como nos informa Vieira dos
Santos (71). A Sociedade era presidida pelo Cap.
Joaquim Antônio Guimarães, pai do futuro Visconde de Nácar, Manoel Antônio
Guimarães (1813-1893), e secretariada pelo Ten-Cel Manoel Francisco Correia, avô
do Barão do Serro Azul (1849-1894).
Paranaguá, ao criar tal Sociedade, acompanhava uma tendência
nacional e seguia o exemplo de outras cidades, imbuídas dos mesmos princípios
do movimento liderado por Evaristo da Veiga, jornalista e político, incentivador
da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, fundada no Rio de
Janeiro em 19 de maio de 1831.
De acordo com a
“História do Brasil” de L. Koshiba e D. M.F. Pereira (72), após a abdicação de D.Pedro I, e até a
antecipação da maioridade de D.Pedro II, em 1840, o país, governado por
regentes, passou por um período muito conturbado. Nesses anos, os autores referem-se
a três tendências políticas: a dos restauradores ou “caramurus”, a dos
moderados ou “chimangos” e a dos exaltados, “farroupilhas” ou “jurujubas”.
Enquanto os primeiros agrupavam-se em torno da Sociedade Conservadora, depois
Sociedade Militar, “da qual faziam parte os Andradas”, e os exaltados,
associados às camadas urbanas, em torno da Sociedade Federalista, os moderados
se agrupavam em torno da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência
Nacional.
Essa Sociedade, de
acordo com a obra citada, compunha-se dos
grandes proprietários
de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Politicamente eram monarquistas,
mas contrários ao absolutismo. Do ponto de vista administrativo, defendiam o
centralismo como garantia da unidade territorial. Os principais representantes
eram Evaristo da Veiga, que editava o jornal Aurora Fluminense, padre Antonio Feijó e Bernardo Pereira de Vasconcelos.
A mesma obra afirma que
em maio de 1831 constitui-se a Regência Trina Permanente e que os moderados
eram então os “donos do poder”. Posteriormente, o padre Feijó assume o Ministério
da Justiça. Na opinião de Raymundo Faoro, citado pelos autores,
a maior obra em favor
da ordem, do partido moderado, foi a realizada fora do governo, com a criação
de duas instituições: a Sociedade Defensora e a Guarda Nacional. A elas deveu a
Regência a estabilidade do regime e a permanência da integridade da nação.
Assim prosseguem os
autores:
A Sociedade Defensora
da Liberdade e da Independência, fundada pelo jornalista Evaristo da Veiga, em
19 de maio de 1831, era integrada pelos regentes, senadores e deputados. Seu
principal objetivo era combater os restauradores e os exaltados, influindo nas
decisões governamentais. A ela deveu-se, por exemplo, a sugestão da criação da
Guarda Nacional, como contrapeso à tropa regular, de fidelidade duvidosa.
Pela lei de 18 de
agosto de 1831, criou-se a Guarda Nacional, subordinada ao Ministério de
Justiça, extinguindo-se as ordenanças e milícias subordinadas ao Ministério da
Guerra. A Guarda Nacional, composta apenas por pessoas de alguma posse,
significou a garantia da fidelidade e da ordem social. Não só isso: a Guarda
Nacional transformou-se na principal força repressiva da oligarquia agrária e,
consequentemente, num dos principais sustentáculos de sua hegemonia.
A Sociedade criada em
Paranaguá tinha também um caráter beneficente. Já no ano de sua constituição
(1831), conforme Vieira dos Santos, seus estatutos foram revistos para incluir
a criação de um hospital, “logo que a Sociedade pudesse”. Segundo o mesmo
cronista, nos registros relativos a 1833 de sua Memória Histórica, “essa
sociedade beneficente socorria com a diária a alguns pobres enfermos
necessitados para sua subsistência e remédios” (73).
FJM participou dessa Sociedade, tendo sido eleito um de seus 11
“vogais” (membros da mesa diretora), ainda conforme Vieira dos Santos (74). A constituição dessa entidade revela as
convicções nacionalistas dos seus 48 sócios, com afinidades políticas que nessa
conjuntura se expressavam em apoio ao “partido brasileiro”, distante tanto dos
restauradores (o “partido português”) quanto dos exaltados. Mais tarde,
verifica-se a adesão explícita dos membros das famílias Correia, Guimarães e
outras, vinculados a essa Sociedade, ao Partido Conservador, fundado no período
regencial e resultante da aliança de “marombistas” (“oportunistas que alteravam
posições conforme seus interesses imediatos”), “restauradores de outrora e
antigos chefes moderados” (75).
Em 1835 -- após o
desaparecimento do partido restaurador (D.Pedro I morre em 1834) e em plena
repressão aos exaltados (76) -- a Sociedade parnanguara é
transformada, por proposta do comendador Manuel Francisco Correia Jr (o mesmo
que propusera a sua criação em 1831), em Irmandade
de Misericórdia, cujo Compromisso se basearia no da Misericórdia de São
Paulo. A Irmandade continuaria a “socorrer os enfermos indigentes”, já atendidos pela Sociedade, e tinha como projeto a
construção do hospital da Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá (77).
O comendador M. F. Correia Jr, na própria proposta de transformação
da Sociedade Patriótica dos Defensores da Independência e Liberdade em Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia aponta os motivos que o levaram a criá-la em
1831, assim se referindo a ela:
/.../
a criação desta sociedade, o que
felizmente consegui em tempos calamitosos, e que uma restauração aborrecida ou
uma perfeita oligarquia ameaçava o nosso solo, depois do glorioso dia 7 de abril (78)
Correia Jr. (1809-1857), pai de Ildefonso Pereira Correia, o Barão
do Serro Azul, estudou latim e humanidades em São Paulo entre 1821 e
1824, segundo C.M. Westphalen (79).
Regressando a Paranaguá, assentou praça no Regimento de Milícias, passando a
capitão da Guarda Nacional em 1831. Sobre ele, afirma ainda aquela
historiadora: “Sua atuação quando da Revolução Farroupilha deu-lhe os títulos
de Tenente-Coronel em 1836 e de Chefe de Legião da Guarda Nacional do litoral
do Paraná e sul de São Paulo”.
De fato, Vieira dos Santos (80),
refere-se a um decreto de 1839 (baixado durante a Revolução Farroupilha, em que
a Comarca se viu ameaçada após a ocupação de Lages) que cria duas legiões de
guardas nacionais na Comarca, uma abrangendo Curitiba, Lapa e Castro e outra
Paranaguá, Iguape, Cananeia e Antonina. O comendador Correia Jr foi nomeado
chefe desta segunda legião. A primeira
coube a João da Silva Machado, o futuro Barão de Antonina, conforme nota de
Francisco Negrão a essa passagem da “Memória Histórica de Paranaguá”.
Vieira dos Santos
também menciona Correia Jr como um dos principais proprietários de Paranaguá.
Era negociante, dono de imóveis urbanos nessa Cidade e na Vila de Morretes e Porto
de Cima, “onde também tem 2 engenhos de soque de erva-mate, e mais de 30
escravos”. Por outro lado, seu pai, considerado pelo cronista o mais importante
proprietário de Paranaguá, era possuidor de 58 prédios urbanos, 2 grandes
fazendas, fábricas de arroz, aguardente e mandioca, olaria, uma chácara no Rocio e mais de 50 escravos (81).
Após essa transformação da Sociedade Patriótica, FJM passa a ser
membro da Irmandade de Misericórdia. Em 1843-4, ocupa o cargo de “mordomo dos
presos” quando o provedor da Irmandade era o baiano Dr. Agostinho Ermelino de
Leão (1797-1863), juiz de Direito da Comarca,
origem de importante grupo ervateiro do Paraná (82).
Posteriormente, FJM continua a colaborar em
favor da Santa Casa, agora na condição de um dos “irmãos de mesa”
administradora. Em 1850 (seis anos antes de falecer), seu nome consta como um
dos signatários de ofício, datado de 10 de março, dirigido pela Irmandade ao
presidente da Província de S.Paulo encaminhando petições para o reforço
financeiro da instituição (o provedor nessa época era Correia Jr.). FJM é
signatário também de outro ofício, da mesma data e com o mesmo objetivo,
dirigido diretamente à Assembleia Provincial (83).
Mas FJM já participava há muito tempo (pelo
menos desde 1823) de outra irmandade,
bem mais antiga, a do SS. Sacramento,
que promovia “atos piedosos” na Semana Santa, e também grande festa em louvor
do Santíssimo Sacramento. FJM ocupou diversos cargos nela e foi seu provedor em
1847-8, conforme quadro, apresentado por Vieira dos Santos, contendo o nome de
todos os administradores da Irmandade desde 1762 até 1850 (84). C.M.Westphalen
afirma que a Irmandade do SS.Sacramento era uma das mais antigas da Igreja
Matriz de Paranaguá. Em 1705 já estava constituída sua Mesa diretora, e em 1732
fora aprovado o seu Compromisso pelas autoridades eclesiásticas de São Paulo (85).
O primeiro cargo que FJM ocupou nessa
Irmandade, o de tesoureiro, coincide com o período em que seu provedor era o capitão
Joaquim Antônio Munhoz (1823-4). Este mesmo nome, com a patente de tenente, é citado por Vieira dos Santos em seus
registros relativos ao ano de 1812. Ele é uma das 26 “pessoas da governança”
que atenderam ao pedido do Juiz de Fora de Paranaguá no sentido de contribuir
financeiramente para “o roçamento dos matos em derredor da Vila e seu
formoseamento e fazer-se a cerca do rocio.” O tenente Joaquim contribui com
1$600 réis (86).
Posteriormente,
em 1844-5, FJM foi escrivão da Irmandade. Joaquim Antonio Munhoz, que foi
procurador já em 1799-1800 e seu tesoureiro em 1805-6 e 1811-2, por ser mais
velho, devia ser o seu tio referido na nota 42 (irmão de Bento Antônio ou Bento
José Munhoz, pai de FJM, assim com o era
José Bernardo Munhoz-- cf notas 4, 7 e 42). FJM acompanha Joaquim Antonio Munhoz tanto na
Irmandade quanto na representação da Câmara Municipal de Paranaguá dirigida ao
Imperador, datada de 2 de fevereiro de 1824, já referida, em que se apelava a
D. Pedro para que ele sancionasse o projeto constitucional encaminhado anteriormente
à Câmara (antes dessa representação, em 23 de março de 1823, Joaquim,
juntamente com José Bernardo Munhoz, assina outro documento, também já
referido, em que os signatários demonstram confiança na “constitucionalidade”
de D. Pedro I, não exigindo dele, previamente, a adoção da Constituição
aprovada pela Assembléia Geral como condição para a sua obediência e fidelidade
(v. antes, neste mesmo capítulo). Significativamente este documento não é
assinado por FJM, demonstrando que este seria talvez menos crédulo que seus
parentes quanto à valoração da Constituição por parte do Imperador) (87). Como no
“Mapa necrológico”, baseado nos livros das Irmandades do SS. Sacramento e de
N.Sra. do Rosário -- incluído no vol. II da “Memória” de Vieira dos Santos --
consta o nome do capitão Joaquim nos óbitos relativos a 1821-22 (e o de sua
mulher, D.Augusta, em 1819-20) (88), deduzo que ao falarmos de Joaquim Antônio
Munhoz estamos falando de duas pessoas diferentes, homônimas, talvez pai e
filho, como no caso do cunhado de FJM, Antonio José de Carvalho, o que era
comum ocorrer então (cf nota 8). Lembrêmo-nos que o padrinho de batismo de
Maria Lícia, filha de FJM, em 1829 foi o capitão Joaquim Antônio Munhoz, “solteiro”
(o que sugere pessoa mais jovem), como já foi dito.
O site do Arquivo Nacional contém um artigo
interessante sobre as irmandades no Brasil. Nele se lê o seguinte:
De origem medieval,
as irmandades são associações voluntárias de leigos, geralmente sediadas em
igrejas particulares ou paroquiais e dedicadas ao culto de um santo-padroeiro.
No Brasil, as irmandades tinham como objetivo promover a caridade beneficiando
e auxiliando seus membros. Destinavam-se a “alimentar os esfomeados, dar de
beber aos que têm sede, vestir os nus, alojar os peregrinos, visitar os doentes
e os presos.” Dedicavam-se principalmente a organizar os enterros e sepultar os
irmãos falecidos. Elas estavam organizadas, de forma geral, em categorias
raciais e sociais, que eram formadas pelo branco e o negro, pelo senhor e o
escravo, e nelas estavam incluídas também outras matizes de cor, como os
mulatos e os pardos. As principais irmandades que reuniam a população branca
eram as do Santíssimo Sacramento, as Casas da Misericórdia e a de São
Francisco. As dos negros e pardos e mulatos eram as de Nossa Senhora das
Mercês, do Rosário, do Amparo, dos Remédios, de São Benedito, São Gonçalo,
entre outras (89).
Outro site (90), da Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz,
disponibiliza um “Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil
(1832-1930)”. Segundo essa fonte, as nossas irmandades de misericórdia eram
entidades filantrópicas inspiradas naquela que existia em Lisboa no final do
séc. XV. Destinavam-se a reforçar a fé católica de seus membros, que se
comprometiam com a prática de obras de caridade, tanto materiais quanto
espirituais. Todavia, tais entidades apresentavam um caráter elitista. Conforme
o Compromisso da Irmandade da Misericórdia de Lisboa, impresso em 1516,
reformado em 1618, e “que se manteve praticamente inalterado até o século XIX”,
não eram aceitos como membros aqueles que tinham sangue negro, mouro ou judeu,
que não sabiam ler nem escrever, que não tinham um certo nível de renda
etc. Como diz um autor citado no texto
do site,
O ingresso na
Irmandade da Misericórdia significava, assim, o reconhecimento social das
posses e a possibilidade de ampliá-las, já que os créditos bancários e
comerciais abriam-se para o associado.
Os
cargos das mesas diretoras eram ocupados conforme as posses das pessoas, ou
melhor de suas contribuições pecuniárias. Na Irmandade do Santíssimo Sacramento
da Matriz de Curitiba, conforme Ermelino de Leão, os irmãos pagavam a
contribuição anual de 400 réis. Mas os membros da diretoria contribuíam assim:
mesários: 2$000; escrivão: 16$000; provedor: 32$000, “importância muito elevada
para a época”) (91). Os
provedores deviam ser escolhidos dentre as pessoas de maior importância
econômica e social na comunidade.
Nascimento Júnior, em artigo sobre a Irmandade
de Misericórdia de Paranaguá (92), confirma o que foi dito acima:
Nesse tempo (após
1841, acrescento eu, DVE) ser Irmão da Misericórdia era honra disputadíssima,
embora pagando 4 patacões de jóia de entrada, isto é, 3$840 e até 1849 era
avultadíssimo o número de membros da Irmandade. E se ser Irmão já constituía
honraria de alto quilate, ser eleito para a Mesa, dava ao escolhido um destaque
social apenas reservado aos homens de maior importância da cidade.
Como se viu, FJM sempre participou dessas
irmandades. A caridade cristã era objetivo que almejava alcançar, pelo menos
formalmente. Mas ele e a sociedade em que vivia não percebiam o conflito
existente entre o ideal cristão e a exploração do trabalho mais clamorosa, a do
escravo, que fazia parte da vida cotidiana de então como coisa normal,
inclusive para representantes da igreja como os padres e as irmãs de caridade,
que em suas ações também se apoiavam no trabalho escravo.
*
Por fim, deve-se mencionar que FJM era Tenente
de milícias (e o sogro de seu filho Caetano, João Gonçalves Franco, era Ajudante,
equivalente a Capitão (93)). É
possível imaginá-lo em seu uniforme vistoso, aquele descrito por Vieira dos
Santos (94), que
abrangia farda azul com gola vermelha, mesma cor das extremidades das mangas,
dragonas de prata, barretina alta e preta, com viseira e pluma branca.
Segundo
Caio Prado Jr (95), “As forças
armadas das capitanias compunham-se da tropa
de linha, das milícias e dos corpos de ordenanças. A primeira
representa a tropa regular e profissional, permanentemente sob as armas”. As milícias eram tropas auxiliares,
organizadas como as de linha em regimentos e recrutadas
por serviço
obrigatório e não remunerado, na população da colônia. Eram comandadas por
oficiais /.../ e também por algumas patentes regulares destacadas para as
organizar e instruir. O enquadramento das milícias se fazia numa base
territorial (freguesias), bem como e, sobretudo, pelas categorias da população.
Quanto
às ordenanças, elas eram “formadas
por todo o resto da população masculina entre 18 e 60 anos, não alistada ainda
na tropa de linha ou nas milícias”, inclusive os eclesiásticos.
Ao contrário das
milícias, as ordenanças constituem uma força local, isto é, que não podia ser
afastada do lugar em que se formava e em que residiam seus efetivos.
Toda
a população, dentro daquela faixa etária, era “automaticamente engajada” nas
ordenanças. “Limitava-se sua atividade militar a convocações e exercícios
periódicos, e, eventualmente, acorrer quando chamadas para serviços locais:
comoção intestina, defesa, etc.” As ordenanças eram formadas por terços, divididos em companhias. O
comandante do terço, que incluía toda a população do termo, era um capitão-mor
(que corrresponde a coronel, enquanto sargento-mor a major, ou tenente-coronel).
“As companhias, comandadas por um capitão, um tenente e um sargento ou alferes,
compunham-se de 250 homens, e se dividiam em esquadras de 25 homens cada uma,
comandadas por um cabo”. As ordenanças, segundo ainda Caio Prado, tiveram “um
papel considerável na administração geral da colônia”. O “Dicionário do Brasil
Colonial” sintetiza tal papel nesta afirmação: elas “auxiliavam na manutenção
da ordem pública, na realização de obras públicas e na coleta de determinados
tributos” (96).
Em
1765 foi restabelecida a Capitania de São Paulo (que já existia desde 1720, mas
ficara subordinada à do Rio de Janeiro em 1748), assumindo como governador D.
Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, o qual exercerá o
cargo por dez anos. O governador da capitania tinha patente de capitão-general (97).
Nessa
época Portugal estava novamente em guerra com a Espanha, reiniciada em 1761,
como já foi dito, após a anulação do Tratado de Madri, o que significou a
renovação das disputas pelos territórios sul-americanos. ujo
governador tinha patrente de capit31, com a criaç
Conforme
Vieira dos Santos, em 1766 Aviso Régio
dirigido ao General
da Capitania Dom Luis Antônio de Souza Botelho Mourão ordenou que no Distrito de sua Capitania fizesse
alistar toda a gente sem exceção de nobres, plebeus, brancos, mestiços,
indígenas; e libertos./.../. Em consequência dessas ordens se alistaram em toda
a Comarca 11 companhias de infantaria, e 3 de cavalaria de Curitiba /.../, e
que todas compunham o corpo de um regimento de auxiliares e do qual foi
sargento-mor Francisco José Monteiro de Castro oficial de tropa de linha por
patente de 5 de setembro de 1767, sendo ajudante do mesmo corpo Manoel da Cunha
Gamito, também de tropa de linha, a ensinar-lhes os exercícios militares
(acrescenta
Vieira dos Santos, em nota, que esses corpos de milícias auxiliavam a tropa de
linha, “quando se precisava deles em ocasiões de guerras”) (98).
Em 1821 ocorreu em Paranaguá um fato marcante
na história da nossa emancipação política da província de S.Paulo. O sargento
de milícias Floriano Bento Viana (1786-1850), após o juramento das bases da
constituição portuguesa (que representaria o fim do absolutismo no Reino de
Portugal, Brasil e Algarves, consequência feliz da Revolução Liberal do Porto
ocorrida no ano anterior) (99), manifestou-se verbalmente pela emancipação
da Comarca. Isso perante o Juiz de Fora, e com a presença dos membros da Câmara
e da tropa formada. Mas seus companheiros milicianos, que haviam planejado esse
ato político para aquela ocasião, permaneceram calados, não se solidarizando
com ele (100). Teria tido
o Tenente FJM alguma participação nessa “Conjura Separatista”, como ficou
conhecido esse episódio na história do Paraná?
Ou teria apenas
estado ali presente, participado desse juramento e assinado o respectivo termo,
sendo uma das “cinqüenta e sete pessoas de autoridades e oficiais de patentes”
que o fizeram, conforme relata Vieira dos Santos (101)?
No período de vida de FJM, ocorreram alguns
movimentos militares, que contaram com a participação das Milícias de Paranaguá
e Curitiba.
Romário
Martins refere-se à campanha contra o caudilho Artigas, da Banda Oriental, em
1816, que mobilizou milicianos da Comarca em defesa do Rio Grande (102).
Em 1824, conforme
Vieira dos Santos (103), o coronel de engenheiros Daniel Pedro
Müller esteve em Paranaguá avaliando as condições locais uma vez que fora
encarregado pelo Imperador de elaborar um plano de defesa da costa da província
de São Paulo, razão por que recomendava “armar os corpos de milícias e
ordenanças”. No ano seguinte, o inspetor
geral das milícias também ali esteve, passando revista no regimento de
Paranaguá. Essas ações certamente decorriam da preocupação do governo imperial
com os líderes revolucionários da região do Prata. Em 1825 intensificou-se o
movimento da insurreição da Província Cisplatina (atual Uruguai), integrante então
do Império do Brasil, o que fez nosso país declarar guerra às Províncias Unidas
do Rio da Prata (atual Argentina) a quem aquela província rebelde pedira
anexação.
Em 1835 inicia a Guerra
dos Farrapos na província de São Pedro do Rio Grande do Sul que se estenderá
por dez anos. C.M.Westphalen
afirma (104)
que
o Comendador Manoel Francisco Correia Jr promoveu mobilizações da Guarda
Nacional em Paranaguá para reforçar as forças sediadas em Rio Negro, local
estratégico, ameaçado pelo avanço dos farrapos. Correia Jr. arregimentou dois
batalhões do litoral, um da Guarda Nacional de Paranaguá com 150 homens, e
outro, da Guarda Nacional de Antonina com 60 homens. Além disso, na condição de
Chefe da Legião da Guarda Nacional do litoral sul da província, se encarregou
também dos trabalhos de defesa de Paranaguá, nos quais certamente contou com a
colaboração do tenente FJM, seu colega na administração da Irmandade da Santa
Casa de Paranaguá.
Correia Jr. posicionou-se a favor do governo
imperial num período crítico, em que o Império era desafiado pelos líderes da
Guerra dos Farrapos e também da Revolução Liberal de 1842, liderada por Rafael
Tobias de Aguiar. Aspirava todavia em troca dessa lealdade a emancipação da sua
Comarca da província de São Paulo (da qual aliás Tobias de Aguiar fora
presidente durante muitos anos). Nesse sentido, percebendo a ocasião de
explorar uma oportunidade política, após declarar seu apoio ao Império (que
receava perder a Comarca de Paranaguá e Curitiba para os rebeldes), ele foi
inspirador de uma manifestação do colégio eleitoral de Paranaguá dirigida ao
Imperador em 1842 pela emancipação da Comarca, e também de uma representação no
mesmo sentido, encaminhada pela Câmara ao presidente da província em 1843.
Vieira dos Santos registra tais fatos em sua cronologia, e faz na sequência o
elogio de Correia Jr na “Memória Histórica de Paranaguá” (105).
A
família Correia vinculava-se ao Partido Conservador em Paranaguá, grupo
político ao qual devia pertencer também FJM, haja vista a composição do seu
círculo social, revelado pela análise das entidades associativas das quais
participou antes referidas.
*
No final da vida, o nome de FJM é mencionado
no recém-fundado “Dezenove de Dezembro”
em duas ocasiões, no ano de 1854 (uma em abril e outra em setembro): a primeira
quando foi nomeado 5º suplente de juiz municipal de Paranaguá e Guaratuba, para
o quadriênio 1854-8, pelo Conselheiro Zacarias (106). A outra, quando foi
concedida a sua demissão do cargo de 5º suplente de delegado de polícia
de Paranaguá (107).
FJM faleceu em 23 de agosto de 1856, aos 65
anos de idade. Faleceu de “apoplexia” (ou derrame cerebral), conforme o
registro de seu óbito (108). Em nota
publicada no jornal “Dezenove de Dezembro” de 10 de setembro, p.4, Caetano José
Munhoz e sua mãe, D. Luíza Lícia de Lima Munhoz, agradecem às pessoas que
levaram o tenente Florêncio José Munhoz ao seu jazigo e compareceram à “missa
solene de requiem celebrada na
ordem 3a. de S. Francisco da Penitência” de Paranaguá. Consta no registro de
seu óbito que ele foi sepultado no cemitério dessa Ordem Terceira, “de que era
irmão” (109). Diferentemente
das outras irmandades, as ordens
terceiras “se subordinavam, institucional e espiritualmente, a uma ordem
religiosa determinada” (110). No caso, a
subordinação era à ordem de S. Francisco. Essa Irmandade da Ordem Terceira é
muito antiga. Data de 1700, mas teve seu Compromisso aprovado somente em 1746,
antes da construção de seu templo, a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco
das Chagas, situada na rua XV em Paranaguá, que ocorreu no período 1770-1784. O cemitério referido localizava-se ao
lado direito da igreja. Eram aí sepultados os membros da sua Ordem Terceira (111).
D. Luíza Lícia, por sua vez, faleceria no ano
seguinte, 1857, conforme convite para missa de 7º dia publicado no “Dezenove de
Dezembro” de 15 de agosto desse ano, p. 4. Quem convidava era seu filho Bento
Florêncio. E a missa seria realizada no dia 18 ,na igreja do Rosário, em
Curitiba.
NOTAS
(1) Cf. verbete
“Munhoz” no “Dicionário das Famílias Brasileiras”, de Carlos Eduardo de Almeida
BARATA e Antônio Henrique da Cunha BUENO. 2 v.- S.Paulo: IberoAmérica
Comunicação e Cultura S.C. Ltda, s.d.- v. II, p. 1578.
(2) MUNHOZ,
Alcides—“Folhas Cadentes”- op cit, (Elogio do Patrono). Curitiba: Irmãos
Guimarães & Cia, 1925- p.11-12.
(3) NEGRÃO, Francisco
– “Genealogia Paranaense”, v.I, Curitiba, 1926- p. 235 (ed. fac-similar da
Imprensa Oficial do Estado)
(4) O trabalho de
Ricardo Costa de Oliveira que contém os resultados de sua pesquisa está disponível no site abaixo, acessado em
20.01.2011 (quanto ao processo de dispensa matrimonial, ele está arquivado na
Cúria de São Paulo com a identificação seguinte: 6-41-2075):
(5) SANTOS, A. Vieira
dos – “Memória Histórica de Paranaguá”. Curitiba: Vicentina, 2001- v.I, p. 205.
(6) SANTOS, A.Vieira dos – “Memória Histórica de
Paranaguá”. Curitiba: Vicentina, 2001- v.II, p. 62; NEGRÃO, Francisco- “Genealogia Paranaense”-
v.6. Curitiba, 1950- p. 275.
(7) SANTOS, A. Vieira
dos— op cit, v.II, p. 65. O cronista menciona ainda um Bernardo José Munhoz, ou
José Bernardo Munhoz, vereador da Câmara de Paranaguá em 1809, citado na mesma
página de duas maneiras diferentes (cf. Santos, A. Vieira dos— op cit, v.I,
p.215 e nota). Há uma outra menção, ainda nessa obra, ao “irmão síndico”
Bernardo José Munhoz, que recebeu certas importâncias decorrentes da venda de
escravos da Ordem 3ª. de S. Francisco das Chagas, conforme deliberação da mesa
tomada em 12 de dezembro de 1812. Na sequência dos registros, alguns anos mais
tarde, em 17 de setembro de 1816,
a mesma Ordem tomava as contas ao síndico José Bernardo
Munhoz (cf. Santos, A. Vieira dos – op. cit., v. II, p. 136-137). Vale ressaltar ainda que um alferes
José Bernardo Munhós constou no Inventário dos Bens Rústicos, realizado na
Capitania de S.Paulo em decorrência de um “aviso régio” de 1817. Era um dos
“principais proprietários” rurais de Paranaguá, dono de 9 escravos e produtor
de arroz, que comercializava (cf. OLIVEIRA, Ricardo Costa de—“O Silêncio dos
Vencedores”, op cit, p.42 e RITTER, Marina Lourdes—“As Sesmarias do Paraná no
Século XVIII”. Curitiba: Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense, 1980- p. 199). Outro trabalho de Ricardo Costa de Oliveira, já
referido na nota (4), cita os pais e a época de José Bernardo Munhoz, de onde
inferi que este era tio de FJM, irmão de seu pai Bento Munhoz.
(8) NEGRÃO, F. -- op.
cit., v. I, p. 235-236. No v. VI da “Genealogia Paranaense” (Curitiba, 1950, p.275), F. Negrão afirma que Antônio José de Carvalho (1791-1861)
era filho de Ana Rosa do Espírito Santo e do sargento-mor Antônio José de
Carvalho (1757-1813), português, “um dos fundadores da Vila de Antonina”, Juiz
Presidente de sua Câmara. O casal Antônio José de Carvalho- Balbina Maria de
Assumpção não teve filhos. Sobre Manoel
de Oliveira Cercal e o tenente Bento José de Siqueira, respectivamente maridos
de Maria e Francisca, as outras irmãs de FJM, não encontrei informações
adicionais na “Genealogia Paranaense”, exceto a que consta no v. V (Curitiba,
1946, p. 243), relativa ao tenente Bento
José de Siqueira. Ali se informa que ele era filho de Manoel Dias de
Siqueira, nascido por volta de 1762 em S.Francisco, e de Rita Vieira ou Rita
Maria do Ó, natural de Paranaguá. E que era neto de Pedro de Siqueira Côrtes e
Maria Dias Palhano. Conforme o “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do
Paraná”, op cit, p.133, Bento José de Siqueira, em 1852, era proprietário de
engenho de mate em Morretes, assim como o era, nesse mesmo ano, Manoel de Oliveira Cercal em Curitiba. Este
foi encarregado “de inspecionar e dirigir
as obras do desvio da atual passagem da Serrinha pelos Capados, na estrada que
segue da capital para os Campos Gerais, mandando-as fazer de modo que se preste
à rodagem”,
conforme consta do relatório do vice-presidente T. Ribeiro de Rezende de 6 de
setembro de 1854, p 47. Mais tarde, ele
é citado em outro relatório, o do vice-presidente Beaurepaire-Rohan de 1º de
março de 1856, p. 126, onde se afirma que executou as obras do desvio do
caminho para a serra dos Capados antes referidas (esse caminho faz parte do trecho
Campo Largo-S.Luís). No mapa nº 1, que consta do volume anexo a esse relatório,
ele é novamente mencionado, na condição de inspetor da instrução primária do
12º distrito (Campo Largo). Já exercera funções semelhantes no tempo da 5ª
Comarca. Segundo trabalho de F. Negrão, ele é um dos três membros da Comissão de
Inspeção das Escolas Públicas e Particulares de Morretes, nomeado pela sua
Câmara Municipal em 27 de novembro de 1846. Além de Morretes, o governo da
província de S.Paulo também criou tal Comissão em Curitiba, Castro, S.José dos
Pinhais, Campo Largo, Palmeira e Paranaguá, sendo um membro nomeado pelo
presidente da Província e os outros dois, pela respectiva Câmara Municipal (cf.
NEGRÃO, Francisco-- “Memória sobre o Ensino e a Educação no Paraná de 1690 a 1933”- p. 93-126 in “Cincoentenário da
Estrada de Ferro do Paraná 1885-1935”.
Curitiba: Impressora Paranaense, 1935, p. 102). Manoel de Oliveira Cercal foi
nomeado ainda suplente do subdelegado da freguesia de Campo Largo, no termo da
Capital, em 1861. E também 2º suplente do juiz municipal do termo de Campo
Largo em 1876 (cf relatórios dos presidentes Polidoro Cezar Burlamaque de
15.03.1867, p. 77, e Lamenha Lins, de 15.02.1877, p. 21. A propósito, esses
relatórios de governo estão disponíveis no site do Arquivo Público do Estado do
Paraná, no seguinte link, acessado em março de 2012: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=44). Como se vê, um membro importante
(economicamente) da comunidade era solicitado a desempenhar também papéis de
caráter público (no caso, a inspeção de obras, a inspeção da instrução
primária, o exercício de funções relacionadas à segurança dos cidadãos ou à
magistratura).
(9) SANTOS, A.Vieira dos --op cit, v. I, p.
124.
(11) SANTOS, A.
Vieira dos – op cit, v.I, p. 175 e
194
(12) “Dicionário das
Famílias Brasileiras”, op cit, v. II, p. 1578
(13) cf. sites www.cadiznet.com e www.spain.info A região sofreu outro terremoto mais
recentemente, pois o “Dezenove de Dezembro” de 15.02.1885-p.2 discorre sobre um
terremoto ocorrido na Espanha, responsável pela morte de mais de 3.000 pessoas.
O “Futuro”, de Paranaguá, refere-se a uma subscrição que se realizou na cidade em
favor das vítimas do terremoto, que afetou “os povos da Andaluzia”. Bento
Munhoz da Rocha foi o que mais contribuiu. Esse sobrinho de CJM era então “sócio
da importante casa comercial de Ildefonso P. Correia & Cª” (cf o “Futuro”,
edições de 28.02.1885- p. 3; de 7.03.1885- p. 3; e de 4.08.1885- p. 3,
disponíveis em microfilme na Divisão de Documentação Paranaense da Biblioteca
Pública do Paraná- “Periódicos Diversos-13”).
(14) VIANNA, Hélio—“História
do Brasil”. S.Paulo: Ed.Melhoramentos,1977- 13ª ed. revista e atualizada,
p.312; “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”. XXXI Volume (Paraná). Rio de
Janeiro: IBGE, 1959- p. 368 (histórico do município de Paranaguá)
(15) SANTOS, A.
Vieira dos – op cit, v.I, p.163-4
(16) NEGRÃO, F.- “Genealogia...”-
op. cit., v. I, p. 262-263. A data de nascimento de Caetano José Munhoz, citada
por F.Negrão, é a mesma que consta na lápide de seu túmulo no Cemitério
Muncipal S.Francisco de Paula, em Curitiba (consta aí também a data do
falecimento: 25 de julho de 1877).
(17) Informações
sobre a data e padrinhos de batismo de Maria Lícia me foram fornecidas pela
Mitra Diocesana de Paranaguá. Essa mesma
fonte informa que dois dias antes desse batismo, em 27 de junho de 1829, houve
o de Agostinho, outro filho do casal tenente Florêncio José Munhoz - Luíza
Lícia de Lima. Uma explicação possível
seria que ele e Maria Lícia fossem gêmeos, mas Agostinho, de saúde mais
precária (por isso seu batismo foi antecipado), não sobreviveu. Ou então o
batismo desse filho do casal simplesmente demorou para ocorrer. De qualquer
forma, não deve ter sobrevivido, pois seu nome não consta na “Genealogia
Paranaense” de F. Negrão, nem é citado por Vieira dos Santos, ao contrário dos
outros filhos de FJM.
(18) Informações
sobre a data do casamento de Maria Lícia e os pais de seu marido me foram
fornecidas pela Mitra Diocesana de Paranaguá.
(19) MÜLLER, Daniel
Pedro—“Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo”. S.Paulo:
Governo do Estado, 1978- 3ª ed fac-similada (a ed original é de 1838)- p.
120-121
(20) WESTPHALEN,
Cecília Maria -- “Porto de Paranaguá, um Sedutor”- op cit, p.177-8
(21) Ibid., p.216
(22) SANTOS, A.Vieira dos-- op. cit., v.I, p. 157
(23) WESTPHALEN, C.M. – “Porto de Paranaguá, um Sedutor”-
op. cit., p.230
(24) Ibid., p.230
(25) Ibid., p.37
(26) Ibid., p.233
(27) Ibid., p.234
(28) Ibid., p.235
(29) Ibid., p.236
(30) Ibid.,
p.236 e 238
(31) Ibid.,
p.182; ver também nota 30, na p. 190
(32) Ibid.,
p.241
(33) Apud WACHOWICZ, Ruy Christovam—“História do
Paraná”. 6ª. ed. Curitiba, Ed. Gráfica Vicentina, 1988- p.136
(34)
WESTPHALEN, C.M. – “Porto de Paranaguá, um Sedutor”- op. cit., p.
50; SANTOS, A.Vieira dos-- op. cit.,
v.I, p. 289 e 293.
(35) NASCIMENTO JÚNIOR, Vicente—“História, Crônicas e
Lendas”. Paranaguá: Prefeitura Municipal, 1980, p. 171.
(36) SANTOS, A.Vieira dos-- op cit, v. I, p. 159, 173, 177, 178, 179, 217,
373
(37) NEGRÃO,
Francisco—“Memória sobre o Ensino e a Educação no Paraná de 1690 a 1933”- p. 93 a 126-
in “Cincoentenário da Estrada de Ferro do Paraná 1885-1935”- op cit, p.103.
(38) SANTOS, A.Vieira
dos -- op. cit., v. II, p. 12
(39) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. II, p.37. Além do tenente FJM, também constam nessa
“Sinopse” os nomes de Bento José Munhoz, Pedro Antônio Munhoz e José Bernardes
(sic) Munhoz, possivelmente o pai e tios de FJM. Consta ainda aí o nome de
Antônio José de Carvalho, cunhado de FJM. Quanto a Pedro Antônio Munhoz, a Mitra
Diocesana de Paranaguá me informou que no livro próprio consta o registro do
batismo, em 28 de abril de 1828, de Joaquim, filho de
Pedro Antônio Munhoz, natural de Paranaguá, e de Anna Lourença Munhoz, natural
de Cananeia.
(40) SANTOS, Antônio
Vieira dos—“Memória Histórica Chronologica Topographica e Descriptiva da Villa
de Morretes e do Porto Real vulgarmente Porto de Çima”. Tomo 1º. Curitiba: Museu Paranaense, 1950 (o original
é de 1851)- p. 85. Na “Memória Histórica de Paranaguá”, op cit, v.I, p. 238-9,
consta transcrição dessa mesma ata da vereança realizada em 18 de novembro de
1820 mas não arrola os nomes das pessoas presentes na reunião que assinaram a
ata, ao contrário daquela “Memória” de Morretes e Porto de Cima. A propósito,
essa menção a FJM, do ano de 1820, é a mais antiga feita a ele na obra de
Vieira dos Santos. E a citação mais antiga de um membro da família é a de Bento
Munhoz, na relação dos cidadãos parnanguaras “que serviram nos cargos de
governança desde 1750 a
1800”
(cf. Santos, A. Vieira dos-- op cit, v. I, p. 205).
(41) SANTOS, A.
Vieira dos—op cit, v. I, p.242.
(42) José Bernardo
Munhoz, como vimos, era tio de FJM. Outro tio dele chamava-se Joaquim Antônio
Munhoz, a julgar pelo registro no “Livro do imposto predial de Paranaguá”, de
1807 (hoje no Arquivo da Câmara Municipal de Curitiba), onde consta o seguinte:
“Travessa do Fonil. Nº 266 Jozé Bernardo
Munhoenz, alugada ao irmão Joaquim Antonio Munhoenz. $ 346”. Mas Vieira dos Santos informa que um
Joaquim Antonio Munhoz, supostamente esse tio de FJM, faleceu no período 1821-2
(v. adiante, p. 36 do texto), logo ele não poderia assinar a manifestação da
Câmara de Paranaguá, que é de 23 de março de 1823. Quem a assina é, talvez, um filho
seu homônimo. Por outro lado, no “Livro
do imposto predial de Paranaguá” ainda constam estes registros que nos
interessam: “Nº 267- Alferes Joaquim Antonio Munhoenz, alugado a Luís
Ignácio de Oliveira. $ 346”. Em nome desse alferes há também o
registro de outro imóvel: o de nº 76 na Rua do Chargo. Quanto a José Bernardo,
além do já citado, constam mais dois imóveis na “Travessa do Fonil”: os de nº
264 e o de nº 275. Como se vê, cada um
dos irmãos detinha um certo patrimônio em imóveis urbanos. Essas informações
foram disponibilizadas por Ricardo Costa de Oliveira no seguinte site, acessado
em 19.05.2011: http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=233633&fview=e
(43) SANTOS, A.
Vieira dos—op cit, v. I, p.376-377.
(44) SANTOS, A.
Vieira dos—op cit, v. I, p. 244 e 380-381. Lê-se aí que o projeto de
Constituição, sobre bases dadas por D. Pedro I, “fora redigido por seus
Ministros e Conselheiros do Estado” e é considerado, nessa representação da
Câmara de Paranaguá, “obra da alta sabedoria e liberalismo de V. Majestade, e
de seu iluminado Conselho e Ministério”. Também é signatário da representação,
além do cap. Joaquim Antonio Munhoz e de FJM, Bento José de Siqueira, cunhado
deste último.
(45) “Constituições
do Brasil” (org. por Fernando H. Mendes de Almeida). São Paulo: Ed. Saraiva,
1961- 3ª. ed., p. 20-21 e p. 45. O volume contém a íntegra da lei de 1º de
outubro de 1828, que vigorou durante todo o Império, até 1891, como esclarece
nota do organizador da coletânea. Segundo ele, antes dessa lei, os municípios
se regiam pelas Ordenações do Reino.
(46) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. I, p. 249-250
(47) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. II, p. 138. O jornal “Dezenove de Dezembro” também menciona
outros membros da família Munhoz, residentes em S.José dos Pinhais, que são
aparentemente de “status” social inferior ao de FJM e familiares. E o mesmo
jornal menciona, com frequência, um certo Fidêncio Antônio Munhoz, morador na
Capital, que ocupava o cargo de porteiro, inicialmente do Liceu de Curitiba e
depois, da Tesouraria de Fazenda, e que teve uma participação de certo destaque
na vida comunitária curitibana. Sobre ele, ver o cap. 8 desta monografia.
(48) Baltazar
Carrasco dos Reis, “natural de S.Paulo”, era “homem cheio de serviços à Pátria,
não só na defesa de Santos, dos ataques dos inimigos, como também como
bandeirante destemido, ao lado de seu pai, irmãos e filhos” (F.Negrão, op.
cit., v. I, p. 155). Baltazar foi um dos primeiros povoadores de Curitiba para
onde se mudou com sua família em meados do século XVII, tendo obtido carta de
sesmaria de terras em 1661 contíguas às de Mateus Leme (F. NEGRÃO, op. cit., v. I,
p. 154).
(49) LEÃO, Ermelino
de – “Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná”- v.I. Curitiba: Instituto
Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1994, p. 31.
(50) Agostinho da
Silva Vale era filho de Baltazar Veloso e Silva (neto de Baltazar Carrasco dos
Reis) e de Antônia de Souza Vale, “natural de Paranaguá, filha do Sargento-mor
Manoel do Vale Porto, o fundador da freguesia do Pilar da Graciosa, mais tarde
elevada a Vila com o nome de Antonina” (F.NEGRÃO, op. cit., v. I, p. 163). A
avó paterna de Agostinho, esposa do Alferes Gaspar Carrasco dos Reis, era, por
sua vez, neta do Capitão Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme (F. NEGRÃO,
op. cit., v. I, p. 157). Marina Lourdes RITTER, em “As Sesmarias do Paraná no
Século XVIII”, op cit, p. 225 e 234-235, cita três sesmarias concedidas a
Manuel Vale do Porto: uma em Antonina no
ano de 1713 e duas outras, nos Campos de Piraquara e Canguiri, em 1710 e 1713. Seria o avô materno de FJM,
Manoel Ignacio do Vale, seu parente?
(51) NEGRÃO, F. –op.
cit., v. I, p. 234
(52) COSTA, Samuel
Guimarães da – “O Último Capitão-Mor 1782-1857”. Curitiba: Scientia et Labor Edit. UFPR;
Paranaguá, Prefeitura Municipal, 1988, p. 79
(53) COSTA, S.G. da –
op. cit., p. 36
(54) COSTA, S.G. da –
op. cit., p. 37. A
propósito, Júlio Moreira em “Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá”,
Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 1975, v.2, p. 494, transcreve trecho de
outra obra de Vieira dos Santos (“Memória Historica, Chronologica,Topographica
e Descritiva da Villa de Morretes e do Porto Real vulgarmente Porto de Çima”,
ed. Museu Paranaense,1950, p.51-2) em que Agostinho da Silva Valle é mencionado. Por
ele, se obtém a informação de que Agostinho era negociante em Morretes quando
foi a S.Paulo em 1777 e arrematou o “contrato real das passagens das canoas do
(rio) Cubatão” para o triênio 1778-1780. Inicialmente, o arrematante cobrava
tanto os fretes das canoas como dos gêneros. Depois, o Ouvidor da Comarca
estabeleceria o valor dos fretes para cada gênero (ib. p.494). Em 1778,
Agostinho e o alferes José da Costa Pinto são multados pelo juiz ordinário, certamente
por não cumprirem aquela tabela de valores de frete. Recorrem dessa multa em 1784. A mesma fonte
menciona ainda que Agostinho arrematou novamente o contrato para o triênio
1781-1783 em sociedade com Manoel Gonçalves Guimarães, “homem de bens e fortuna”.
A sociedade entre eles dura um ano e meio, após o que Manoel Gonçalves
Guimarães é substituído por Manoel Lourenço Pontes. Os próximos contratos (até
1800) serão arrematados por Manoel Gonçalves Guimarães, exclusivamente. No v.1,
p. 49, Júlio Moreira transcreve ofício, de 1786, do Ouvidor e Corregedor da
Comarca Francisco Leandro de Toledo Rendom, dirigido à Câmara de Paranaguá, em que Agostinho é
mencionado como o encarregado de consertar o caminho do Cubatão (= Caminho de
Itupava). O mesmo ofício manda que Agostinho seja pago pelas despesas em que
incorreu (ib., p.50).
(55) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. II, p.304
(56) COSTA, S.G. da –
op. cit., p. 153
(57) PENA, Eduardo
S.—“ O Jogo da Face”- op cit, passim.
(58) SANTOS, A.Vieira
dos—op cit, v.I, p. 81
(59) NEGRÃO, F. – op.
cit., v. I, p. 235
(60) LEÃO, E. de – “Dicionário Histórico e
Geográfico ...”- op. cit., v. II, p. 892
(61) LEÃO, Ermelino
de – “Antonina-factos e homens”. Antonina: Prefeitura Municipal, 1926 (ed. fac-similar
da Secretaria de Estado da Cultura, 1999)- p. 205 (in Cap. XXIV- “Apontamentos
históricos de várias localidades do distrito da Vila Antonina e outros
municípios, coligidos no cartório de Antonina”)
(62) Apud COSTA, S.G.
da – op. cit., p. 145
(63) Nas legendas dos
mapas são citadas as obras de onde eles provieram.
(64) Cf.verbete
“braça” no “Novo Dicionário Aurélio”, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
1ª ed. (15ª impressão). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
(65) NEGRÃO, F.
– op. cit., v.I, 164
(66) SANTOS, A. Vieira dos—op cit, v.I, p. 260
(67) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 191
(68) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 165
(69) WESTPHALEN, C.M. – op. cit., p. 241 e 286
(nota 65)
(70) ROMANEL, Maria
Cecília Trevisan Scherner e SCHERNER, Maria Luíza Trevisan—“Álbum de Memórias-
A trajetória das Indústrias no Paraná”. Curitiba: Editora Univer Cidade, 2007-
p.16
(71) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. I, p. 251
(72) KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise Manzi
Frayze—“História do Brasil”- 6ª ed- São Paulo: Atual, 1993- p. 186-8
(73) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v.I, p.251-252.
(74) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. I, p. 251
(75) VAINFAS, Ronaldo
(org.)- “Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889)”. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002- p.563-4
(76) KOSHIBA, L. e PEREIRA, D. M. F.— op cit, p.
188
(77) LEÃO, Ermelino
de -- “Dicionário Histórico e Geográfico...”-op. cit., v. V, p. 2050-2053
(78) Apud SANTOS, A.
Vieira dos— op cit, v.I, p.265
(79) “Dicionário
Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”, op cit, p. 105-6 (são autoras dos
verbetes desse dicionário: Cecília Maria Westphalen, Altiva Pilatti Balhana,
Cassiana Lacerda Carollo, Lina Benghi e Marta Morais da Costa)
(80) SANTOS, A.Vieira dos— op cit, v.I, p.288. Cf também p. 275-6
(81) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v. II, 304
(82) SCHWINDEN,
Antônia – “Leão Júnior S.A.: empresa centenária”. Curitiba: Leão Júnior S.A.,
2001 - p.7-8
(83) SANTOS, A.
Vieira dos –op. cit., v. II, p. 157 e p. 161 (seu nome consta aí escrito como
Florêncio José Munhões)
(84) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. II, p.97-102 (“Mapa nº 11- Provedores, escrivães,
procuradores e tesoureiros que têm servido na Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Cidade de Paranaguá desde o ano de 1762 inclusive ao de 1850”. Os membros da família
Munhoz citados nesse mapa são: Cap. Joaquim Antonio Munhoz, Ten. Florêncio José
Munhoz, Cap. Pedro Antonio Munhoz e José Bernardo Munhoz, sendo o primeiro o de
participação mais antiga na Irmandade, pois já em 1799-1800 ocupava o cargo de
procurador)
(85) Cf. “Dicionário
Histórico-Biográfico ...”- op. cit., p. 217
(86) SANTOS, A.Vieira
dos— op cit, v. I, p. 230
(87) SANTOS, A.Vieira
dos -- op. cit., v. I, p.377
(88) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v. II, p. 67-68
(91) LEÃO, E. de –
“Dicionário Histórico e Geográfico...”- op. cit., v. II, p. 878
(92) Cf. artigo “A
Irmandade de Misericórdia em 1835-1935”
por Nascimento Júnior in “Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá (1835-1935)-
Poliantéia Comemorativa da Fundação e do 1º Centenário, em 8 de Dezembro de 1935”, p. 5
(93) Cf.verbete “hierarquia” no “Novo Dicionário Aurélio”,
op cit.
(94) SANTOS, A.Vieira
dos – op. cit., v.II, p. 294
(95) PRADO JR,
Caio—“Formação do Brasil Contemporâneo”. 14ª. ed. -São Paulo: Brasiliense,
1976, p. 310-313. Na p. 306, o autor afirma que a capitania se dividia em comarcas e as comarcas em termos, com sedes em vilas ou cidades.
Os termos dividiam-se em freguesias,
“circunscrição eclesiástica que forma a
paróquia, sede de uma igreja paroquial, e que servia também para a
administração civil”.
(96) VAINFAS, Ronaldo
(org.)- “Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808)”. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001- p. 396
(97) AMARAL, Antônio
Barreto do—“Dicionário de História de São Paulo”.São Paulo: Governo do Estado,
1980- p. 112 e 324
(98) SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v.II, p. 293
(99) “Dicionário
Histórico- Biográfico do Estado do Paraná”, op cit, p. 97-98; BOUTIN,
Leônidas—“Breve História de Paranaguá”. Paranaguá: Prefeitura Municipal, 1994-
p. 10.
(100) MARTINS,
Romário – “História do Paraná”. Curitiba: Edit. Guaíra Ltda., s/d- 3ª. ed., p.
231; SANTOS, A.Vieira dos – op. cit., v.I, p.239-240; 363 e seg.
(101) SANTOS, A.
Vieira dos— op cit, v. I, p. 240
(102) MARTINS, R. –
op. cit., p. 230
(103) SANTOS, A. Vieira dos— op cit, v. I, p. 244,
384.
(104) Cf. “Dicionário
Histórico-Biográfico ...”, op. cit., p. 332-333
(105) SANTOS, A.Vieira dos—op cit. v. I, p. 315-320
(106) DD de
29.04.1854- p. 5
(107) DD de
30.09.1854- p.2. Seu requerimento ao presidente da província, pedindo demissão
desse cargo, está no Arquivo Público do Estado (assim datado: “Paranaguá, 19 de
agosto de 1854”). Ele diz aí: “Não me sendo possível exercer o cargo de 5º
suplente de Delegado quando me competir, por ser homem velho e mto. doentio,
motivo porque peço a V.Exa. demissão de dito cargo”.
(108) Informação fornecida pela Mitra
Diocesana de Paranaguá.
(109) Informação
fornecida pela Mitra Diocesana de Paranaguá. FJM não foi o único membro da
família Munhoz a se vincular à Ordem Terceira de S. Francisco. Vieira dos
Santos, no capítulo a ela dedicado em sua Memória História
de Paranaguá, refere-se a outros membros, citados a seguir: o “irmão síndico” Bernardo José Munhoz, que
em 1812 recebeu os valores auferidos com a venda de escravos pertencente à
Ordem Terceira (a escrava Maria, com seu filho Francisco, a escrava Bona, com
seu filho Claudino, e o escravo Jacinto); o “síndico” José Bernardo Munhoz (a
mesma pessoa?), que em 1816 prestou contas à congregação de mesa da Ordem e o
“irmão” Antonio José Munhoz, que em 1820 recebia da Ordem um auxílio financeiro
diário “por impossibilidade de doenças e não poder trabalhar” (cf SANTOS, A.Vieira
dos- op cit, v. II, p. 136-138).
(110) VAINFAS, R.
(org.)- “Dicionário do Brasil Colonial”, op cit, p. 317
(111) “Dicionário
Histórico-Biográfico ...”, op. cit., p. 217; PARANÁ-“Espirais do Tempo: Bens
Tombados do Paraná”. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2006- p. 240;
NASCIMENTO JÚNIOR, Vicente—“História, Crônicas e Lendas”, op cit, p. 287.
3.3- CJM: nascimento e infância em
Paranaguá
CJM vem ao mundo, como se viu, no seio de uma
família de posses. Alcides Munhoz informa que ele nasceu em Paranaguá a 17 de
junho de 1817, e que ali “educou-se e viveu até a sua maioridade. Moço,
mudou-se para Curitiba, onde iniciou a vida no comércio exportador de erva-mate”
(1).
Sobre a infância e
adolescência de CJM em Paranaguá, onde viviam seus pais, não obtive nenhuma
informação. Sua educação pode ter sido ministrada por algum professor
particular contratado para tanto, ou por um professor mantido pelo governo do
Império.
Segundo Vieira dos
Santos (2), quando CJM nasceu, a cadeira de
professor de primeiras letras de Paranaguá estava vaga, o que ocorreu no
período 1815-19. Como sua remuneração fora rebaixada de 120 para 80 mil réis anuais
(3), não havia interessados em ocupá-la. Em 1820 a Câmara de Paranaguá
fez uma representação ao rei D.João VI pedindo uma solução para o
problema.
Só em 1826 a Câmara, autorizada
pelo presidente da Província de S.Paulo, abrirá concurso para o preenchimento
daquela cadeira, com a remuneração de 120 mil réis. Apresentou-se então
Hildebrando Gregoriano da Cunha Gamito que, submetido a uma banca de
examinadores, foi aprovado e tomou posse no cargo em 27 de maio de 1827. Gamito
exercerá tais funções até falecer, em 1849.
Considerando que CJM tinha então 9 anos (completaria 10 em 17 de junho
de 1827), ele pode ter sido aluno do professor Gamito. Antes disso, como estava
vago esse cargo de professor público, a alternativa que restava aos pais interessados
em que seus filhos recebessem a educação primária (“aprender a ler, escrever e
contar”) seria recorrer a professores particulares. Vieira de Sousa refere-se neste
caso ao prof. Francisco Félix da Silva, que abriu suas aulas particulares em
decorrência daquela vacância. Assim, CJM pode ter sido também aluno dele. Outra
possibilidade para os pais seria contratar Lourenço Antônio de Almeida, que
exercia, no período, as funções de professor de gramática latina (ele lecionou
em Paranaguá de 1823 a
1828 ou 1829). A propósito, o professor Lourenço integrou a banca que examinou
Hildebrando Gamito antes referida.
Com CJM pode ter acontecido
o mesmo que com o jovem Agostinho Ermelino de Leão, futuro desembargador, embora
este tenha nascido mais tarde, em Paranaguá, no ano de 1834. Segundo seu filho,
ele aí “cursou aulas de primeiras letras na escola do mestre Felix” (4).
Em 1831 a Câmara informava ao
presidente da Província de S.Paulo a sutuação do ensino em Paranaguá: a escola
pública do professor Hildebrando G.C. Gamito tinha 53 alunos e a escola
particular do tenente Francisco Félix da Silva, 48.
A educação da época
reconhecia a validade de castigos físicos, o que seria aceito inclusive pela
legislação, posteriormente. Vieira dos Santos cita a lei provincial nº 35, de
18 de março de 1836, que afirma em seu parágrafo único: “Os professores de
primeiras letras poderão castigar moderadamente os seus discípulos quando as
penas morais forem ineficazes.”
Seguramente CJM recebeu educação religiosa e
fez a 1ª. Comunhão, considerando o costume da época e o fato de seus pais serem
católicos. Aliás, a religião católica, no tempo do Império, não era separada do
Estado. Assim, o ensino oficial necessariamente implicava ensino religioso. Por
outro lado, muitos dos que estudavam com o professor de gramática latina
encaminhavam-se para a carreira eclesiástica. Mas esse não foi o caso de CJM
que desde cedo voltou-se para a vida
prática, pois seu nome está associado à instalação de um dos primeiros engenhos
de erva-mate em Curitiba, em 1834, quando tinha apenas 17 anos.
Conforme
carta de CJM, transcrita em “Folhas Cadentes” (5), ele desejava muito que seu filho
Alfredo, então estudante em Petrópolis, se tornasse “Doutor em Leis”, talvez
uma compensação por não ter ele próprio se formado em Direito, embora viesse a
exercer aqui, por muitos anos, a função de “juiz municipal substituto”, o que
era possível pela legislação da época.
Vale
lembrar que a primeira faculdade de Direito instituída no Brasil foi a de
S.Paulo, em 1827. No ano seguinte, fundou-se a de Olinda/Recife (6).
A
julgar pelo tratamento que lhe era dado, com o seu nome no diminutivo (“Coronel
Caetaninho”), CJM devia ser de estatura baixa e compleição franzina. Encontrei
dois retratos dele em minha pesquisa. Um, o que consta em “130 Anos de Vida Parlamentar
Paranaense”, de Maria Nicolas. Outro, mais velho, foi publicado na “Revista
Paulista de Indústria” v. 3, nº 17, de 1953 (edição especial: “O Paraná e suas
Indústrias”), ano em que se comemorou o centenário do Paraná e seu bisneto era o governador do Estado. Infelizmente,
nenhuma das duas publicações informam como foram obtidos esses retratos de CJM.
NOTAS
(1) MUNHOZ, Alcides—“Folhas
Cadentes”, op cit, p.11.
(2) SANTOS, A. Vieira dos—“Memória Histórica de Paranaguá”,
op cit- v.I, p.239, 246, 270, 375, 376, 396;
v. II, p.289, 291
(3) A remuneração era
anual, conforme NEGRÃO, Francisco—“Memória sobre o Ensino e a Educação no
Paraná de 1690 a
1933” , op cit, p.103.
(4) LEÃO, Ermelino de
-- “Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná”, op cit- v. VII, p. 5.
(5) MUNHOZ, Alcides-
op. cit., p. 19
(6) FAUSTO,
Bóris—“História do Brasil”- 6ª. ed. S.Paulo: Editora da Universidade de
S.Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1998- p. 237.
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Curitiba por Debret- 1827 (Fonte: www.gilsoncamargo.com.br/blog) |
3.4- Curitiba em 1834
Para
se ter uma idéia de como se apresentava Curitiba na época em que CJM veio para cá, vou
recorrer a Saint-Hilaire, citado por Octavio Ianni em “As Metamorfoses do Escravo”.
Ianni afirma nesse livro que, segundo o naturalista francês, que percorreu a
região alguns anos antes, o distrito de Curitiba possuía uma população de 11
mil habitantes em 1818, dos quais aproximadamente 15% eram escravos.
E
prossegue Octavio Ianni:
Nessa época a vila de Curitiba reúne 220
habitações pequenas e cobertas de telhas, cujos habitantes dispersam-se em
atividades diferentes, especialmente agropecuárias. “No decorrer da semana,
Curitiba não é menos deserta que a maior parte das vilas do interior do Brasil,
diz Saint-Hilaire; quase todos os seus habitantes são, como em muitos outros
lugares, agricultores que não ocupam as suas casas senão aos domingos e nos
dias festivos, atraídos pelas cerimônias religiosas”. Uma parte do contingente
ativo dessa população distribui-se em 948 agricultores, 31 comerciantes, 205
assalariados, e 50 tropeiros, além dos escravos e escravas ocupadas em
atividades agrícolas, de criação, artesanato urbano, serviços domésticos etc. (1)
Essas
220 habitações distribuíam-se por algumas poucas ruas mal alinhadas que ligavam
o Largo da velha Matriz, ainda sem as duas torres, às regiões mais afastadas (2). A vila de
Curitiba estendia-se entre dois rios, o Ivo e o Belém, este cortado pela
Estrada da Marinha. É junto a essa estrada, e às margens do rio Belém, que CJM
estabelecerá o seu engenho de mate (v. mapa da cidade, datado de 1857).
Segundo
o Quadro Estatístico de D.P.Müller, de 1838, toda a 5ª. Comarca da província de
São Paulo possuía então 38.223 habitantes.
O
distrito de Paranaguá, 8.891 hab., sendo 18% escravos, e o de Curitiba, quase o
dobro, 16.157 hab, sendo 12,5% escravos. Ambos representavam, respectivamente,
23% e 42% da população da Comarca, que abrangia os termos de Castro, Curitiba e
Paranaguá (3).
O distrito de Curitiba abrangia, além da vila
de Curitiba, as freguesias de S.José dos Pinhais e de Palmeira, assim como as
capelas de Votuverava (hoje Rio Branco do Sul) e Campo Largo. Consta na obra
citada: “O território desta vila (a de
Curitiba) para o lado do mar, e principalmente para o interior do lado de Oeste
tem ainda sertões incultos, e desconhecidos” (4).
Dentre os produtos obtidos no distrito de
Curitiba, Müller cita erva-mate, café, arroz, farinha de mandioca, feijão, milho,
fumo, trigo, toucinho e ouro. Refere-se ainda à criação de gado vacum,
lanígero, cavalar, muar e à criação de porcos (5).
Quanto às “artes e ofícios”, constata a
existência de 11 carpinteiros, 5 oleiros, 1 pedreiro, 8 ferreiros, 2 seleiros,
1 fabricante de coxenilhos (6), 10 alfaiates, 12 sapateiros, 8 ourives, e 1
músico (7).
Com relação à Guarda Nacional, a situação era
a seguinte: Infantaria: 1 batalhão, 8 companhias, 750 praças. Cavalaria: 1
esquadrão, 2 companhias, 234 praças (8).
No termo de Curitiba havia 5 distritos de paz:
o 1º era o da vila de Curitiba (com 24 quarteirões). Os outros eram os de
S.José dos Pinhais, Palmeira, Campo Largo e Votuverava. O termo possuía 1 juiz municipal, 1 juiz de órfãos e
5 juízes de paz (9).
Quanto às
confrarias e irmandades, Müller menciona a Ordem 3ª. de S. Francisco das
Chagas, a do SS. Sacramento, a de N.Sra.
da Luz, a de S.Miguel, as de N.Sra. do Rosário e a de S.Benedito (10).
E com relação à instrução pública, afirma que
a vila de Curitiba possuía 4 escolas de 1as. letras e 129 discípulos (11).
*
Em decorrência da lei nº 18, de 11 de abril de
1835, aprovada pela Assembleia Legislativa da província de São Paulo, toma
posse o primeiro Prefeito de Curitiba, em 27 de julho do mesmo ano, sendo
escolhido para exercer esse cargo o comerciante José Borges de Macedo
(1791-1851), nascido em Castro mas radicado na vila de Curitiba, estabelecido
na rua Fechada (atual José Bonifácio). Ele exerce o mandato até 24 de março de 1838,
quando a mesma Assembleia decide revogar a lei antes citada (Curitiba só teria
prefeito novamente na República, a partir de 1892). Em 1841, Borges de Macedo requer
uma “carta de data” de terreno próximo à “ponte do Ivo” (região da atual praça
Zacarias). Constrói aí uma casa confortável para sua família, na esquina das
atuais ruas Des. Westphalen e Mal. Deodoro, tornando-se assim vizinho de João
Gonçalves Franco e Manoel de Oliveira Franco, respectivamente sogro e cunhado de
CJM, ali também residentes, como veremos (aliás, o próprio CJM também ali
residirá) (12).
Em
1835 estoura a Revolta dos Farrapos, que causa maior apreensão na Comarca a
partir de 1838, quando os revoltosos se apoderam de Lages. O governo imperial decide
então reforçar a defesa de Rio Negro, que seria o próximo núcleo urbano a ser
conquistado, ao avançarem para o norte, via Estrada da Mata. Envia para lá tropas
de linha comandadas pelo general Pedro Labatut, que desembarca em Antonina e sobe
a Serra do Mar pela Estrada do Itupava, enfrentando as maiores dificuldades (13).
NOTAS
(1) IANNI,
Octavio—“As Metamorfoses do Escravo”- op cit, p. 94.
(2) MACEDO, Heitor Borges de—“O Lídimo Varão: biografia do primeiro prefeito
de Curitiba”. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 1984. Ver aí os desenhos da primeira igreja Matriz e da
segunda, após a construção das duas torres, nas p. 13 e 17. As torres foram
concluídas no final da década de 1850. Mas por causa de problemas estruturais,
essa igreja foi demolida em 1876 e em seu lugar construiu-se a atual Catedral de
Curitiba (cf DESTEFANI, Cid Deren—“A Cruz do Alemão”. Curitiba, s.d., p.27-29).
(3) MÜLLER, Daniel
Pedro—“Ensaio d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo”- op cit, p.
143-144. Notar que a abrangência do “distrito” de Curitiba não é a mesma que a
da “comarca” de Curitiba antes citada (em 3.2- Origens familiares). O distrito exclui a Vila Nova do Príncipe e
sua freguesia anexa, Rio Negro.
(4) Ibid., p. 74
(5) Ibid., p.128
(6) Coxinilho: “Tecido
de lã, tinto de preto, que se põe sobre a sela dos cavalos” (cf. LEÃO, Agostinho
Ermelino de—“Índice Alfabético Paranaense”, que integra o “Dicionário Histórico
e Geográfico do Paraná” de seu filho Ermelino de Leão (op cit, v. VII, p. 72).
Segundo o dicionário Houaiss, o termo decorre do espanhol platino: cojinillo.
(7) MÜLLER, D.P.—“Ensaio
d’um Quadro Estatístico da Província de São Paulo”, op cit, p.243
(8) Ibid., p. 225
((9) Ibid., p. 74
(10) Ibid., p. 254
(11) Ibid, p. 265
(12) MACEDO, Heitor Borges de—“O Lídimo Varão”, op cit, p. 18, 19, 21 e
27
(13) NEGRÃO, Francisco—“Efemérides Paranaenses”- Curitiba: Circulo de Estudos “Bandeirantes”, 1º volume (1949): p.69-70; 88-89; 159-160; 235-236; 239. 2º volume (1954): p. 576, 636, 637