6.7- Escravos da família
No verbete sobre CJM do “Dicionário Histórico e Geográfico do
Paraná”, de Ermelino de Leão, em passagem já citada, consta esta
descrição insólita de seus trabalhadores cobertos do pó verde da
erva-mate:
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Negros no porão do navio (Fonte: Rugendas- "Viagem Pitoresca Através do Brasil". S.Paulo: Círculo do Livro, s/d- p.211) |
Os operários
do engenho eram todos escravos que durante o trabalho, somente vestidos com uma
tanga de aniagem ou saco velho,
apresentavam um aspecto curioso: à negra epiderme aderia um pó verde e as
sobrancelhas, bigodes e cabelos cobriam de camadas intensas de ouro
verde (1)
Além dessa referência a escravos,
encontrei na documentação do inventário post-mortem
de CJM uma lista deles, matriculados em 1872, conforme exigência legal, e
também de duas averbações, feitas em 1873. Os dados abaixo foram transcritos
desses documentos, tal como ali aparecem:
Escravos pertencentes a CJM em 1872
(os dois
últimos incorporados em 1873)
Nomes Cor Idade Naturalidade Aptdão
p/trabº Profissão
Luís preta 60 crioula pouca
serv.doméstico
Henrique preta 45 africana capaz engenho
Marcello preta 29 crioula capaz
engenho
Leandro parda 18 crioula capaz serv.doméstico
Leocádia preta 10 crioula pouca
serv.doméstico
Isabel fula 45 africana capaz
cozinheira
Catharina preta 38 africana capaz
serv.doméstico
Avelina parda 17 crioula capaz
serv.doméstico
João preta 16 Guaratuba tem engenho
Justo (*) preta 19 crioula tem engenho
---------------
---------------
(*) Filho de Isabel,
escrava de CJM
Crioulo: “Dizia-se do
negro nascido na América” (dic. Aurélio)
CJM usava então escravos em seus
engenhos (movidos a força hidráulica e, posteriormente, também a vapor). Mas
pelo que se vê acima, dos seus 10 escravos em 1872-3, só 4 foram declarados
trabalhadores nos engenhos. A maioria deles era empregada no serviço doméstico.
Todavia, eles também podiam ser alugados de outros proprietários, para realizar
determinadas tarefas (surrões de couro ou barricas para acondicionamento do
mate) (2).
A importância do trabalho escravo
na “economia do mate” é assunto controverso. Para Temístocles Linhares, em sua “História
Econômica do Mate”, tal importância foi pequena (3).
Na coleta da erva, o fato de ser
mais conveniente ela ser feita em certa época do ano e em um período muito
curto (“em um ou dois meses, no máximo”), seria um “impedimento natural ao
trabalho escravo”, pois oneraria demais o proprietário mantê-lo nessas
condições.
Os engenhos do período, que
processavam a erva, foram de soque,
movidos a energia hidráulica ou a vapor. Diz o autor: “Nos engenhos de soque, sim, o
braço escravo negro podia ter sido utilizado”. Adotando técnica rudimentar, “os
pilões manuais poderiam ter sido trabalhados por escravos negros”.
Linhares distingue três fases no
nosso ciclo do mate: a primeira, desde (provavelmente) a Provisão Régia de 1722
até a década de 1820 (essa Provisão decorria da visita que fez a Curitiba e
Paranaguá o ouvidor Pardinho e indicava a erva-mate como alternativa econômica para
a região, após a decadência da atividade mineradora); a segunda fase se estende
dos anos de 1820, ou seja da chegada de Francisco Alzagaray a Paranaguá (e de
Manuel Miró a Morretes), até a conclusão da estrada da Graciosa em 1876; e a
terceira fase, posterior a essa data, caracterizada pelos avanços tecnológicos
devidos a Francisco Camargo Pinto.
Para Linhares, no planalto,
possivelmente só na primeira fase o braço escravo teria sido utilizado,
diferentemente do litoral, em que ele seria utilizado tanto na primeira quanto
na segunda fase do ciclo (isso explicaria, acrescento eu, o maior peso
constatado nessa época da população negra no litoral). Na época da terceira
fase, “com o retorno dos engenhos aos locais mais próximos da produção, serra
acima” (cujo produção descia para o litoral pela estrada da Graciosa, em carroças),
“já se falava muito em salário, como o comprova o trabalho de A.J. de Macedo
Soares, publicado em 1875”
(trata-se de “O Mate do Paraná”, a quem o autor recorre diversas vezes). Na
realidade, diz Linhares, “já na década de 50, antes de se operarem as
transformações tecnológicas de Camargo Pinto, não havia mais escravos nos
engenhos”. Nessa época já não se falava em escravos e sim em jornaleiros ou trabalhadores (cita como exemplo
uma representação ao Imperador em 1854 e também matérias publicadas em edições
do “Dezenove de Dezembro” de 1854 e 1858). Desse modo, embora Linhares admita a presença
de escravos na atividade ervateira, ela não seria significativa, como forma
predominante do trabalho.
Entretanto, a questão, como
disse, é controversa. Octavio Ianni, em “As Metamorfoses do Escravo”, salienta a
importância, até certa época, do trabalho escravo no ciclo do mate da nossa
economia, onde seria a força de trabalho predominante (4), e é a ele que Linhares se contrapõe, ao desenvolver sua argumentação,
que procurei sintetizar acima.
Eduardo S. Pena critica ambos os
autores, por não buscarem, na documentação ou nas evidências empíricas,
confirmação do que afirmam. Diz ele que Linhares “chegou a afirmar, de forma
exagerada e sem comprovação empírica, que os escravos já haviam desaparecido do
interior dos engenhos desde a década de 50, antes, portanto, das transformações
tecnológicas indicadas por Ianni” (5). Ianni,
por sua vez, é criticado porque pensa haver uma incompatibilidade entre a
escravidão e o capitalismo, que requer um trabalhador livre, i.e. a força-de-trabalho
transformada em mercadoria, livremente comercializada no mercado, sem a rigidez
do trabalho escravo. Neste caso, o ônus do empresário é maior pois tem que prover,
permanentemente, a subsistência do cativo, quer a conjuntura econômica seja boa
ou má.
Eduardo S. Pena, com base em
registros oficiais sobre escravos e inventários post-mortem, analisa o escravismo na Comarca de Curitiba e conclui que
os escravos continuaram a ser usados “maciçamente” nos anos 70 e 80 do século
XIX na “economia do mate” (6). Além de Curitiba, tal Comarca
abrangia os municípios de Campo Largo, Votuverava, Arraial Queimado, São José
dos Pinhais e Iguaçu (7).
Constata que havia nessa Comarca 2.579 escravos
matriculados em 1872. E uma média de 3,2 escravos por proprietário, na mesma
região, em 1875 (8).
Afirma o autor:
Como no
início do século, o escravismo se sustentava pela predominância de pequenos
proprietários — com 1 a 4 cativos — localizados principalmente nas zonas rurais que
circunvizinhavam a Capital da Comarca (9).
Eduardo Pena aponta como
característica do escravismo paranaense “uma estrutura de posse de poucas
proporções, mas relativamente ‘democrática’, espalhando os escravos pelas mãos
de inúmeros pequenos proprietários” (10), diferentemente
de outras regiões do país, onde se praticava a lavoura canavieira e cafeeira,
em que a propriedade de escravos era mais concentrada.
Entretanto, observa que em 1804 havia
senhores com mais de 40 escravos, o que já não ocorre em 1824, “e em 1875
somente um único proprietário possuía mais
de 25 escravos (Mariano de Almeida Torres)” (11).
O autor analisou 110 inventários
(inclusive o de CJM) de proprietários escravistas arquivados nas varas cíveis de
Curitiba relativos ao período 1871-1887. Mais de 70% deles localizavam-se nas
áreas rurais. Desses 110 inventários, 46 referiam-se a proprietários que de
alguma forma estavam ligados à atividade ervateira (detentores de ervais,
animais e carroças para transporte da erva, engenhos de beneficiamento e
embalagem). Eles usavam 245 cativos, mais de 50% de toda a escravaria arrolada
nos inventários. Dos 46 inventários, 8 eram de senhores de engenho de
beneficiamento (um dos quais, CJM) que congregavam 66 escravos (12). Agregando outros 16, informados pelo “Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Paraná” para os anos de
1877 e 1880, o autor constata a existência de 24 senhores de engenho na região, donos de 166 cativos (13), ainda nesses anos tão próximos da Abolição. Não
havia assim a incompatibilidade entre escravidão e capitalismo sustentada por
Ianni, pois mesmo com as inovações tecnológicas no setor industrial do mate, os
escravos continuaram a favorecer a acumulação capitalista, agora remanejados para
outras atividades, inclusive para aquelas ligadas ao setor agrário,
“responsável pela colheita e o preparo (‘sapeco’ e ‘cancheamento’) da erva
bruta” (14), de que dependiam os engenhos. Desse
modo, os escravos continuaram a ser empregados na atividade ervateira,
simultaneamente às transformações tecnológicas ocorridas no âmbito da unidade
industrial de beneficiamento do mate, que de fato contribuíam para diminuir a
utilização de mão-de-obra nessa atividade. Essas transformações foram em grande
parte devidas a Francisco Camargo Pinto, que retornou da Europa por volta de
1878 (15). Mas elas ocorreram após o falecimento de CJM, que
não pôde se beneficiar assim de tais transformações.
Apesar
da existência da lei de 1831, que proibia o tráfico negreiro, este, como se
sabe, continuou ocorrendo no País até 1850, e Paranaguá continuou a ser um
centro de comércio de escravos, que inclusive se intensificou a partir daquela
lei, conforme afirma Romário Martins (16). Certamente, foi de lá que provieram os primeiros
escravos de CJM, que se instalou no planalto curitibano em 1834. CJM, como se
viu, nasceu em Paranaguá e lá viviam seus pais até meados do século XIX. Aliás,
foi ali que ocorreu, em 1850, o episódio do Cormorant,
cruzador britânico que perseguiu navios negreiros até dentro da baía, sendo
rechaçado por tiros de canhão desfechados pelo forte da ilha do Mel, o qual
criaria um grave incidente diplomático com a Inglaterra. Quem importava tais
escravos era gente da mais alta consideração da sociedade parnanguara, o que é
omitido pelos nossos historiadores...
Na
pesquisa realizada no jornal “Dezenove de Dezembro” encontrei diversos anúncios
relativos a escravos de propriedade de CJM, seu irmão Bento Florêncio e seu
filho Alfredo Caetano. Apresento-os abaixo para que o leitor de hoje melhor
compreenda o caráter iníquo daquela sociedade em que eles viveram, e também a resistência
possível dos escravos à ordem social opressora, que se traduzia pela
desobediência às normas vigentes, pela fuga e até mesmo pela morte do senhor, como
no caso do crime que resultou no enforcamento, em 1854, de um escravo em S.
José dos Pinhais, comunicado pelo juiz CJM ao presidente da província (cf seção 5.3, cap.5 deste trabalho).
-No
DD de 25 de março de 1865- p.4 consta a seguinte nota, na seção “Repartição da
polícia”:
Dia
20.
Pela patrulha foram
recolhidos à prisão, à disposição do Exmo. Sr. Dr. chefe de polícia o alemão
Carlos Forster, por ébrio, e o escravo Marcelo, do tenente-coronel Caetano José
Munhós, em conseqüência de haver sido encontrado depois do toque de silêncio.
Marcelo
tinha então 22 anos, considerando sua idade em 1872, conforme o quadro que abre
esta seção 6.7.
Pelo
código de posturas de Curitiba (lei nº 79, de 11 de julho de 1861) havia multas
para senhores de escravos e castigos para escravos que andassem pelas ruas
“depois do toque de silêncio” (hora de silêncio ou recolher: 9h da noite
no inverno; 10 h no verão) (17).
-No
DD de 13 de janeiro de 1866- p.4 consta o seguinte anúncio:
ESCRAVO
FUGIDO
Acha-se fugido o
escravo Gabriel, crioulo, de idade 20 anos, cor preta, um pouco magro; quem o
apreender e levá-lo a seu senhor, Caetano José Munhós, será gratificado.
Aparentemente,
não foi recuperado, pois seu nome não aparece na lista de escravos matriculados
e de averbações de 1872-3.
-No
DD de 28 de fevereiro de 1866- p.3, dentre os citados em “Óbitos” consta o de “Antônio,
40 anos, escravo do tenente coronel Caetano José Munhós”
-No
DD de 19 de fevereiro de 1870- p.3, em “Noticiário”, sob o título “Partes
diárias da polícia”, consta nota afirmando que no dia 13 “foram presos, à ordem
do Exmo. Sr. Dr. chefe de polícia ‘alguns escravos’”, que são citados,
inclusive “Marcelo, de Caetano José
Munhós” /.../ “por serem encontrados em um divertimento proibido” (batuques e
fandangos eram proibidos). A nota ainda afirma que Marcelo foi posto em
liberdade no dia 16. Ele reincidiu em desrespeitar as normas então vigentes (v.
antes, sua prisão em 1865).
-No
DD de 10 de janeiro de 1872- p.3, em “Noticiário”, se informa que no cartório
do tabelião Nestor Borba foram registradas gratuitamente durante 1871 diversas
cartas de liberdade passadas “sem ônus
algum”, “condicionalmente” e “por compra de liberdade”. Dentre estas
últimas consta aquela concedida à escrava Graciana—do tenente coronel CJM.
-No DD de 21 de
fevereiro de 1877- p. 4 consta em “Anúncios” sob o título “Escravo fugido” o
seguinte:
Caetano José Munhós
gratifica a quem apreender o seu escravo de nome Justo, que se acha fugido há
alguns dias, constando estar acoutado (*) em uma casa desta cidade, fato contra
o qual protesta proceder com todo o rigor da lei.
Curitiba,
20 de fevereiro de 1877
-----------------------------------
(*)
Acoitar ou acoutar: dar asilo, guarida a; homiziar (dic. Aurélio)
(o
anúncio é republicado no DD de 24 de fevereiro de 1877- p. 4 e também é
publicado na “Província do Paraná” de 24 de fevereiro de 1877- p. 4)
Justo
era filho da cozinheira Isabel, também escrava de CJM, como informa a documentação
de seu inventário. Considerando os dados antes apresentados, Justo tinha agora
23 anos de idade e sua mãe, se ainda vivia, 50. O nome de Isabel não aparece no
rol de escravos citados na peça inicial que dá origem ao inventário de CJM, em
dezembro de 1877, indicando também que poderia estar alforriada nessa data. O processo de inventário menciona apenas 5
escravos, sendo que um deles, Ângelo, é referido como “incapaz de qualquer
serviço por ser muito doentio e aleijado de um braço”. Certamente por isso, por
não ter valor venal, não foi avaliado no inventário. A avaliação dos outros
escravos foi a seguinte, naquela data: Luís, 70 anos (sic), 100$000; Justo, 25
anos (sic), 1:200$000; João, 22 anos, 1:200$000; Leocádia, 14 anos, 800$000. Por aí se vê que a fuga de Justo, mencionada
acima, significava para CJM um prejuízo de um conto e duzentos mil réis... Quanto
a Luís, os herdeiros (18), ao longo do
processo, decidem alforriá-lo, em consideração à sua idade mais avançada e aos serviços prestados à família, como
afirmam.
Também
são mencionados na imprensa local os parentes de CJM como proprietários de
escravos:
-No
DD de 19 de março de 1859- p. 4 consta este anúncio:
Fugiu no dia 10 do
corrente a escrava Lourença, crioula, com os sinais seguintes: -- alta, magra,
fula, cabelos soltos e o dedo grande de um pé roído. Gratifica-se a quem a
apresentar a seu senhor Bento F. Munhós.
-A
“Província do Paraná”, de 23 de agosto de 1879- p. 4, traz a seguinte nota:
Bento Florencio
Munhós pede aos srs negociantes desta cidade que nada entreguem por sua conta a
seu escravo Lino, e declara que d’ora em diante não se torna responsável por
objetos em seu nome trocados pelo seu mesmo escravo.
Curitiba,
21 de agosto de 1879
Bento
Florencio Munhós
-No DD de 3 de fevereiro de 1866- p.4, em
“Noticiário- Óbitos”, menciona-se o sepultamento de
Juliana,
14 anos, escrava do major Bento Florencio Munhós.
No
testamento de D. Maria do Céu Taborda Munhoz, esposa de Bento Florêncio, que
consultei no Arquivo Público do Estado, ela deixa um conto de réis para o seu
afilhado Caetano Leite de Araújo, “filho de Sebastiana, que foi escrava da
nossa casa” (o testamento está assim datado: “Curitiba, 19 de março de
1891”).
-No
DD de 20 de maio de 1871- p.4, em “Anúncios”, consta o seguinte:
Ao abaixo assinado
fugiu, há 15 dias mais ou menos, um seu escravo de nome Antonio, de cor preta e
tendo 10 a
12 anos de idade. Consta que foi visto nas imediações do Campo Comprido, talvez
em caminho para os Campos Gerais. Protesta-se contra quem acoutá-lo, e
gratifica-se a quem o trouxer a seu senhor.
Curitiba,
19 de maio de 1871
Alfredo
Caetano Munhós
Mesmo
o espiritualista Alfredo, que no futuro redigirá, durante muitos anos, o periódico espírita “A Luz”, reivindicava
seu escravo e ameaçava quem o acoitasse!
Só para se avaliar o grau em que estava o processo abolicionista nessa
época, é interessante dizer que o DD de 24 de maio de 1871, p.3, informava que
o ministro de Agricultura Theodoro M.F.Pereira da Silva apresentara na Câmara
dos Deputados proposta do governo imperial (gabinete Rio Branco) para emancipar
filhos de mulher escrava que nascessem depois dessa nova lei. Em 28 de setembro
desse ano seria sancionada a lei do Ventre Livre.
-Anúncio
semelhante ao anterior consta no DD de 10 de janeiro de 1872, p. 4, nestes
termos:
ESCRAVO
FUGIDO-
Fugiu há 8 meses,
mais ou menos, o escravo Antonio de 12 para 13 anos de idade. É de cor entre
fula e preta; cabelo não muito grenho, corpo franzino. Supõe-se que tenha ido
para os Campos Gerais. Gratifica-se com 100$000 rs. a quem o trouxer a seu
senhor Alfredo Caetano Munhós. Curitiba, 9 de janeiro de 1872
-Pelo
“Noticiário-Movimento da Cadeia” do DD de 9 de novembro de 1872- p.3
verifica-se que Antônio acabou sendo recapturado, um ano e meio após a sua
fuga:
/.../ A 2 foram
presos em custódia, à ordem do Exmo. Sr. Dr. chefe de polícia, /.../ e o
crioulo Antônio, escravo de Alfredo Caetano Munhós, por fugido.
Por fim, o “Dezenove de
Dezembro” (19)
informa sobre os festejos
realizados no dia 28 de setembro de 1884, em homenagem ao visconde do Rio
Branco pela lei do Ventre Livre (de 1871) e ao presidente da província Brasílio
Machado pelos seus esforços na área da educação. Essa lei, além de considerar
livres os filhos de mulher escrava que nascessem a partir de sua data, previa
também a libertação de escravos por um “fundo de emancipação” ou mesmo por um pecúlio,
formado pelo próprio escravo, provindo de “doações, legados e heranças” e suas
economias (20). Os festejos prolongaram-se até o dia
29, quando se inaugurou uma escola e se entregou ao presidente Brasílio um
“Livro d’Ouro” onde foram lançadas 68 novas libertações de escravos. Dentre os
que concederam cartas de liberdade é citado Alfredo Caetano Munhoz, que
libertou, “com indenização”, a escrava Florinda (21).
Segundo Eduardo Pena,
nessa época, a alforria podia ser: 1) gratuita, quando o proprietário a
concedia ao escravo, mediante carta específica; 2) onerosa, quando o escravo
pagava por sua liberdade; e 3) pelo Fundo de Emancipação, que indenizava o
proprietário do escravo com recursos governamentais. Assim, a indenização à
escrava de Alfredo tanto poderia ter sido feita com recursos dela própria como
com recursos desse Fundo, o que talvez seja o seu caso, dada a condição
fazendária de Alfredo e sua maior familiaridade com os procedimentos
burocráticos. Ainda de acordo com Pena, na Comarca de Curitiba, entre 1873 e
1884, 365 escravos foram alforriados, dos quais 232 correspondiam a alforrias
gratuitas, 101 alforrias onerosas e 32 pelo Fundo de Participação (cf. “O Jogo
da Face”, op cit, p. 77).
O relatório do
presidente Faria Sobrinho de 17 de fevereiro de 1887, p. 108, estende o período
de tempo até 8 de janeiro de 1887, mas apenas com relação ao número de escravos alforriados
pelo Fundo de Emancipação da Província. Até aquela data, em todos os municípios
do Paraná foram alforriados 214 escravos por conta desse Fundo, o que
significou uma despesa de 123:817$042 rs, conforme dados ali citados da
Tesouraria de Fazenda. Deduz-se daí que a despesa média, por escravo, foi de
578 mil réis.
Para concluir, vou me referir a um assunto
relacionado ao tema desta seção do capítulo, em que CJM não é envolvido como
proprietário de escravos, e sim, certamente, como juiz substituto.
No
“Expediente da presidência” de 19 de outubro de 1864, publicado no DD (22), consta
despacho ao Chefe de Polícia em que o ten-cel CJM é citado. A presidência da
província comunica ao Chefe de Polícia que ficou
ciente de terem sido
entregues a João da Costa Cabral, encarregado pelo tenente-coronel Caetano José
Munhós procurador de Bernardo Gavião & Ribeiro & Gavião, os escravos de
nomes Modesto, Firmino, Salvador, Maurício, Samuel, Estolano, Clemente,
Florencio e Juvencio, pertencentes aos frades carmelitas e arrendados por
aqueles, a fim de serem conduzidos à província de S. Paulo.
Esse evento está relacionado à questão da fazenda Capão Alto, em Castro, de
propriedade dos frades carmelitas, que naquele ano de 1864 a arrendou,
juntamente com o gado e os escravos, a Bernardo Gavião, Ribeiro & Gavião,
segundo matéria publicada no “Boletim do Arquivo do Paraná” nº 23, de 1988,
p.19-22. Em abril de 1864 um
representante dessa firma paulista veio à fazenda para buscar os escravos. Como
estes administravam autonomamente a fazenda há mais de sete décadas, por
decisão dos frades, já se consideravam livres e negaram-se a seguir para
S.Paulo, razão por que os prejudicados recorreram à força policial de Castro,
“que pediu reforços a Curitiba”, para cumprir o acordo de arrendamento. “Presos
os líderes da resistência /.../ os demais negros ‘arrendados’ (cerca de 200)
foram transferidos para São Paulo”. Como
um desses líderes chamava-se Firmino, segundo a fonte antes citada, acredito
que os escravos mencionados no despacho da presidência transcrito acima
poderiam ser os líderes da rebelião, que detidos por um período de tempo, seguiam
agora, em outubro de 1864, para S.Paulo. Isso é confirmado pelo relatório sobre
os acontecimentos encaminhado mais tarde (em 1º de fevereiro de 1865) pelo
Chefe de Polícia ao presidente Pádua Fleury. Ele afirma aí ter mandado prender então
onze escravos, “os cabeças da desobediência /.../ que podiam incitar os demais
a fatos mais graves”. Esses escravos, como consta ainda no mesmo relatório,
foram depois entregues ao preposto da firma, a fim de seguirem para S.Paulo (23).
Após
a extinção do tráfico, os escravos estavam sendo mais cobiçados, e se
redistribuíam dentro do país, especialmente em favor da região de maior
dinamismo econômico, a da cafeicultura (também a maior parte dos escravos de
CJM em 1872-3 já não constava em seu inventário em 1877-8, indicando,
provavelmente, que eles já tinham sido vendidos).
Como
se viu, até irmandades religiosas, frades e espiritualistas eram proprietários
de escravos. E isso ocorre numa época em que a consciência antiescravista já
estava bem desenvolvida. Outros países da América do Sul já haviam então abolido
a escravatura; por exemplo, a Colômbia em 1851 e a Argentina em 1853 (24). A Inglaterra,
porque lhe era conveniente agora, combatia o tráfico de escravos nos mares.
Queria-os assalariados, integrantes do mercado para seus produtos...
NOTAS
(1) LEÃO, Ermelino Agostinho de – “Dicionário
Histórico e Geográfico do Paraná”- op cit, v.I, p. 247
(2) PENA, Eduardo Spiller—“O Jogo da Face”- op cit, p.
83-4
(3) LINHARES, Temístocles—“História Econômica do Mate”-
op cit, p. 169-172 e 237-243
(4) IANNI, Octavio—“As Metamorfoses do Escravo”- op
cit; cf também PENA, Eduardo Spiller—“O Jogo da Face”, op cit, p. 25.
(5) PENA, Eduardo S.- “O Jogo da Face”, op cit, p.300,
nota 50.
(6) Ibid., p.79.
(7) Ibid., p. 33. V. também p. 294, nota 3
(8) Ibid., p. 8, 24 e 36.
(9) Ibid., p.8 e 33.
(10) Ibid., p. 85.
(11) Ibid., p.37.
(12) Ibid., p.80. Na p. 303, nota 73, o autor indica quem são os oito senhores de engenho
de beneficiamento inventariados (cinco dos quais possuíam ervais, conforme nota
76, p.304, o que não era o caso de CJM):
Joaquim Ventura de Almeida Torres (9 escravos), Eleutherio José de
Freitas (4), José Ignacio Loyola (9), Tiburcio Borges de Macedo (3), Manoel
Antonio Carneiro (6), Caetano José Munhós (10), Vicente Ferreira da Luz (7) e
Justina Garcia Teixeira (18).
(13) Ibid., p. 303, nota 73.
(14) Ibid., p. 65.
(15) CARNEIRO, David—“Fasmas Estruturais da Economia
do Paraná”- op cit, p.110-111.
(16) Apud WACHOVICZ, Ruy Christovam—“História do
Paraná”- op cit, p. 135.
(17) DD de 16.10.1872- p.4
(18) Os herdeiros D.Narcisa, Alfredo, João Alberto,
Florêncio e Manoel de Souza Dias Negrão concordaram, segundo o processo de
inventário de CJM, em assumir o encargo de alforriar o escravo Luiz.
(19) DD de 1.10.1884-
p.2 e DD de 3.10.1884- p.3
(20) À lei do Ventre
Livre (lei nº 2040, de 28.09.1871) refere-se o Regulamento nº 5135, de 13.11.1872,
conforme o DD de 15.03.1882- p. 4.
(21) DD de 1.10.1884-
p.2; v. também DD de 28.09.1884- p.3 e DD de 3.10.1884- p. 3
(22) DD de 5.11.1864-
p. 2
(23) MOREIRA, Júlio
Estrela (org)- “Fontes para a História do Paraná: cronistas- séculos XIX e XX”.
Curitiba, Secretaria de Estado da Cultrura, 1990- p. 49-51. O relatório do
vice-presidente Manoel Antônio Guimarães de 17.02.1873, p. 13, refere-se à
firma Bernardo Gavião, Ribeiro & Gavião como “casa bancária”.
(24) RENAULT, Delso—“Rio de Janeiro: a Vida da Cidade
Refletida nos Jornais”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INL,
1978- p. 77.
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