5.2- O político
Antes
de considerar o caso particular de CJM na condição de “político”, acredito que seja
conveniente lembrar aqui algumas características da política brasileira no
tempo do Segundo Reinado, que é basicamente a sua época. Quando D. Pedro II
assumiu o trono, em 1840, CJM completara há pouco 23 anos, no início portanto
de sua maioridade, aquela mesma que fora antecipada, no caso do jovem monarca, para que ele pudesse
assumi- lo. Mas meu interesse, nesta parte do trabalho, estará voltado especialmente
para o período posterior a 1853, ano em que se constitui a província do Paraná,
e começa a sua vida política independente. Nesta, destacava-se o Poder Legislativo
provincial, ao qual o deputado CJM esteve associado por alguns anos. Ele também
foi vereador de Curitiba. Meu interesse volta-se para o contexto que
condicionou politicamente a vida da província, em particular dos diversos
presidentes, nomeados pelo governo central, com quem CJM se relacionou. Quanto
a Curitiba, com exceção de breve período, de 1835 a 1838, a cidade só virá a ter
prefeito com o advento da República. Não havia prefeito durante o Segundo
Reinado, e sim apenas a Câmara Municipal, que também exercia outras funções,
além das legislativas.
O regime político do Império assemelhava-se ao
parlamentarista, mas apresentava diferenças substanciais com relação a esse
modelo. A Constituição de 1824 não era parlamentarista. Em 1847, porém,
criou-se o cargo de presidente do Conselho de Ministros, ocupado por pessoa que
o Imperador convidava (ora do Partido Conservador, ora do Liberal) para formar
um gabinete, que supostamente contava também com a confiança do Parlamento. Se
este não concordasse com a escolha dos ministros, o Imperador podia alterar o
ministério ou dissolver o parlamento e convocar novas eleições, com base no
Poder Moderador, privativo do monarca, criado pela Constituição de 1824. Como
nessa época o governo geralmente ganhava a eleição, ajustava-se assim o
parlamento ao gabinete recém constituído (1).
Ao contrário do regime parlamentar, a
responsabilidade pelo governo não cabe ao Parlamento. “O poder moderador (ou seja, o monarca) pode chamar a
quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, esta eleição
faz a maioria. Eis aí o sistema representativo do nosso país” (Nabuco de Araújo, senador
conservador). Eleições viciadas chegam a
produzir uma Câmara com um deputado de oposição (1850) e outra sem nenhum
(1852). Os partidos Conservador e Liberal desde o fim das Regências se alternam
ou associam no governo conforme a vontade imperial (2)
Naturalmente
essa vontade relacionava-se à conjuntura política, que tanto poderia favorecer aos
conservadores quanto aos liberais.
Muitos
acreditam que não havia grandes diferenças ideológicas entre um partido e outro,
endossando a frase do deputado Holanda Cavalcanti: “Nada mais igual a um
saquarema do que um luzia no poder” (3).
A
esse respeito, afirma Caio Prado Jr:
Os nossos partidos do regime passado têm uma
significação ideológica muito restrita. Se é fato que, em geral, são os
conservadores que encarnam o espírito retrógrado do Império, também é certo
que, a par de outros exemplos, encontramos entre os liberais figuras como esta
ultra-reacionária do escravocrata vermelho Martinho de Campos. /.../ os
partidos do Império, que eram muito mais que outra coisa qualquer, simples “agregados
de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do poder” --
como os chamou Oliveira Viana, -- à feição dos dois partidos que hoje
observamos nos Estados Unidos, Republicanos e Democratas (4)
Todavia,
José Murilo de Carvalho, que analisou algumas evidências empíricas relacionadas
à composição social e ideológica dos dois partidos, não tem a mesma opinião
categórica sobre essa questão. Conclui
que “Longe de não se distinguirem em termos de composição e ideologia, os
partidos se revelaram instrumentos úteis para entender as fissuras da elite
/.../”. Contesta explicitamente a afirmação de Caio Prado de que a “burguesia
progressista” se concentrava mais no Partido Liberal. Analisando a origem social
dos ministros, José Murilo conclui que os donos de terra estavam presentes nos
dois partidos. No caso do Partido Conservador havia uma coalizão destes com os
burocratas, enquanto no Liberal a coalizão era com os profissionais liberais. Afirma
que “Em geral, dentro do Partido Conservador, o elemento burocrático, sobretudo
os magistrados, tendia a favorecer a centralização e as reformas sociais”.
Afirma também que “Todas as principais leis de reforma social, tais como a
abolição do tráfico de escravos, a Lei do Ventre Livre, a Lei de Abolição, a
Lei de Terras, foram aprovadas por Ministérios e Câmara conservadores”. Por
outro lado, o ministério liberal do Conselheiro de Dantas não conseguiu fazer
aprovar a Lei dos Sexagenários em 1884-1885... (5)
A
disputa política se dava entre as famílias
mais importantes -- donas de terras e escravos -- associadas a um ou outro
partido, que indicavam os nomes para o Parlamento e se revezavam no poder. “Chegar
ao poder significa obter prestígio e benefícios para si próprio e sua gente.
Nas eleições, não se esperava que o candidato cumprisse bandeiras
programáticas, mas as promessas feitas a seus partidários”, nas palavras de Bóris
Fausto (6).
Na prática, o governo nunca perdia eleição,
como já foi dito. Elegiam-se aquelas
pessoas, escolhidas pelas famílias, pertencentes ao partido que estava no
poder. A eleição era indireta. Pela Constituição de 1824, e alterações
posteriores, os cidadãos de uma “paróquia”, que atendiam a certos requisitos
(um dos quais era uma renda mínima) escolhiam os eleitores que por sua vez
escolhiam os deputados. Os nomes mais votados para senador (cargo que era
vitalício) compunham uma lista tríplice, submetida ao Imperador, que então
escolhia um deles. A legislação também estabelecia níveis de renda mínima para
alguém ser membro da Câmara dos Deputados ou do Senado.
Para Ricardo Costa de Oliveira, tanto o
Partido Conservador como o Liberal
refletiam as posições
da classe dominante; ambos representavam igualmente a grande propriedade rural.
Porém os funcionários públicos preponderavam (inclusive magistrados e outros
burocratas) no Partido Conservador, enquanto os profissionais liberais
aglutinavam-se mais no Partido Liberal, mas ambas as categorias estavam
presentes nas duas agremiações. Os comerciantes também se dividiam entre os
dois partidos. Uma diferença substancial
estava na maior representação da agricultura de exportação pelo Partido
Conservador, enquanto os setores econômicos ligados ao mercado interno estavam
mais associados ao Partido Liberal (7).
O Imperador nomeava os presidentes de
província, que eram indicados pelo gabinete. Os ocupantes desse cargo “eram, pois, os amigos e correligionários
da situação. Via de regra, políticos que se haviam destacado na Câmara, ou em
trânsito para o Ministério”, como afirma Cecília M. Westphalen (8).
Assim se apresentavam os dois partidos do
Império na província do Paraná, segundo Costa de Oliveira:
No Paraná a divisão partidária acompanhava a
linha nacional. Os ervateiros ligados à agricultura de exportação e ao comércio
externo apoiavam majoritariamente o Partido Conservador. Os tropeiros dos
campos do interior, vinculados à economia do mercado interno, preferencialmente
eram liberais. A grande propriedade fundiária estava distribuída entre os dois
partidos. O litoral era mais vinculado ao Partido Conservador, enquanto os
Campos Gerais eram mais ligados ao Partido Liberal /.../
O Partido Conservador
era formado pelo núcleo de parentesco das principais famílias do litoral, os
Gonçalves Cordeiro, os Guimarães, os Correia e os Ricardo dos Santos. Todos
descendentes do Capitão-Mor de Paranaguá João Rodrigues de França /.../
O núcleo do Partido
Liberal era formado pela família dos fundadores de Palmeira, nos Campos Gerais,
Antonio de Sá Camargo, Visconde de Guarapuava e o seu primo Jesuíno Marcondes
de Oliveira e Sá, com matrimônio entre os Alves de Araújo, que tinham por sua
vez também matrimônio com os Pacheco /.../ (9).
A
família Munhoz, como vimos no cap. 3, radicou-se no litoral, associando-se,
pelo casamento, ao tronco genealógico Carrasco dos Reis, ao qual pertenciam
Jesuíno Marcondes e o Visconde de Guarapuava. A mãe de CJM era trineta de
Baltazar Carrasco dos Reis. Por outro lado, sua primeira esposa, D.Francisca,
era tetraneta do Cap.Mor João Rodrigues de França. E a segunda esposa, sobrinha
da primeira, também descendia dele (ao tronco genealógico Rodrigues de França
pertenciam ainda os Alves de Araújo). A fonte dessas informações é a
“Genealogia Paranaense” de Francisco Negrão (10).
*
Abaixo
consta um quadro que organizei, a partir de diversas fontes. Ele relaciona os
presidentes da província do Paraná na época de CJM com os gabinetes do governo
imperial a quem esses presidentes deviam a sua indicação, havendo entre eles,
portanto, fortes laços de vinculação política (não constam aí os
vice-presidentes que assumiram interinamente a presidência).
A
partir de 6 de setembro de 1853, no governo imperial, inaugura-se a política de
Conciliação, com o gabinete formado por “conservadores dissidentes e liberais
históricos” (11), presidido pelo Visconde depois Marquês
do Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão), do Partido Conservador. É nessa
conjuntura que passa a existir a Província do Paraná. Em 17 de setembro um político
importante da vida parlamentar do Império, Zacarias de Góes e Vasconcelos, é
nomeado presidente da nova província. É ele quem a instala em 19 de dezembro de
1853 (a província fora criada pela lei nº
704, de 29 de agosto de 1853, durante o gabinete do Visconde de Itaboraí) (12).
Em
1862 os conservadores sofrem uma cisão, chefiada pelo Marquês de Olinda (Pedro
de Araújo Lima).
Conservadores dissidentes e liberais se
compõem na Liga, que forma 5 gabinetes sucessivos. Os conservadores
remanescentes passam a ser chamados puritanos em oposição aos ligueiros, que
formam (1864) o efêmero Partido Progressista (13).
Segundo
José Murilo de Carvalho, o Partido Progressista, que domina no período
1862-1868, representou a sequência da orientação política da Conciliação
organizada em grupo político. Em torno de 1864 surge, da Liga Progressista, o
Partido Progressista, que se dissolve em 1868 “com a queda de Zacarias. Parte
dos progressistas formou o novo Partido Liberal, parte ingressou no Partido
Republicano fundado em 1870” (14).
Ainda
de acordo com esse autor, em 1868 os liberais históricos (que com os
conservadores dissidentes formavam também o Partido Progressista) “criaram o
Clube Radical e publicaram seu programa.” Alguns pontos desse programa foram
assimilados pelo programa do novo Partido Liberal:
O programa do novo
Partido Liberal incluía como pontos principais a eleição direta nas cidades
maiores (mas não o voto universal); Senado temporário; Conselho de Estado
apenas administrativo (não a abolição do Conselho); a abolição da Guarda
Nacional; as clássicas liberdades de consciência, de educação, de comércio, de
indústria; as reformas judiciárias do programa progressista; e a abolição
gradual da escravidão , iniciando
com a libertação do ventre. (15)
Em
16 de julho de 1868, verifica-se o retorno dos conservadores ao poder, com o
gabinete do Visconde de Itaboraí (Joaquim José Rodrigues Torres). D.Pedro II
leva ao governo os
conservadores puritanos (Itaboraí), embora estes sejam franca minoria na Assembleia,
que é dissolvida. O que muitos chamam golpe imperialista provoca um manifesto
liberal (Reforma ou revolução?) pela reforma do regime /.../. Sua ala esquerda
/.../ lança no Rio de Janeiro
(3/12/1870) o Manifesto Republicano (16).
Os gabinetes conservadores se sucedem até 5 de
janeiro de 1878, quando inicia um período liberal, com o gabinete do Visconde
de Sinimbu (João Luis Vieira Cansação). Esse período perdura até 1885. A ele se segue um
outro período conservador, até 7 de junho de 1889. Nessa data inicia o gabinete
liberal do Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de A. Figueiredo), último do
Império.
José
Murilo de Carvalho afirma que antes da Independência as “organizações políticas
ou parapolíticas que existiram /.../ eram do tipo sociedade secreta, a maioria
sob influência maçônica”. Depois da Abdicação, “formaram-se sociedades mais
abertas, tais como a Sociedade Defensora, a Sociedade Conservadora e a
Sociedade Militar”, que após alguns anos deixaram de existir. É no final da
década de 1830 que se formam os dois grandes partidos do Império, o Conservador
e o Liberal (17).
Esse
autor, analisando todo o Segundo Reinado (1840-1889), constata a ocorrência de 36 ministérios ao
longo desse período. Sua duração média foi de menos de ano e meio. Mas “Os conservadores duravam em média duas
vezes mais que os liberais” (18).
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