8. CONTRAPONTO: O CONTÍNUO/PORTEIRO FIDÊNCIO MUNHOZ
Gostaria de concluir este trabalho
referindo-me a Fidêncio Antônio Munhoz,
um membro de condição mais humilde dessa família que, como vimos, está presente
no Brasil desde o século XVI. Ele tanto pode descender desses primeiros Munhoz quanto
daqueles que vieram para cá mais recentemente, em meados do século XVIII, vale
dizer, dos ancestrais de CJM, que se estabeleceram em Paranaguá.
Estabeleço assim, neste capítulo dedicado
a Fidêncio, um contraponto com as considerações anteriores, que se referiam aos
representantes dessa família de mais elevado “status” social, pertencentes,
como ficou evidenciado, à elite paranaense do século XIX.
Pretendo aqui mostrar, da forma permitida
pelos dados disponíveis, o modo como se inseriu na sociedade curitibana dessa
época alguém de condição profissional subalterna, que todavia aparece citado com
certa frequência no “Dezenove de Dezembro”, não só na sua parte oficial. Seu
nome aparece, às vezes, associado aos membros da família de CJM, ao
participarem conjuntamente das irmandades e festas religiosas. Da mesma forma,
Fidêncio é signatário em manifestações de apreço, abaixo-assinados e atas, juntamente
com as pessoas que o meio considerava mais importantes, na política ou
economia.
A explicação disso, a meu ver, reside na
religião, que como vimos ocupava um papel mais importante no tempo do Império
do que hoje, quando o Estado é laico. Em nossa sociedade, de tradição
judaico-cristã, é corrente um pressuposto idealista, que não se confirma na realidade,
de que “todos somos iguais (perante Deus)” ou de que “todos somos irmãos,
filhos do mesmo Deus”, o que mascara a profunda desigualdade nela existente, maior
ainda naquele tempo (todavia, esse pressuposto não chegava a abranger os
escravos...). Assim, em nome dessa concepção, as pessoas de baixa condição
social podiam até ser aceitas pela sociedade curitibana da época, nas irmandades
religiosas, em eventos públicos, cerimônias oficiais etc. No caso de Fidêncio, o
fato dele ter o mesmo sobrenome de CJM e seus parentes na Curitiba daquela
época, e de ser funcionário público, ainda que modesto, certamente lhe dava
condições mais vantajosas do que outros, de posição mais baixa na hierarquia social...
Na
lista dos cidadãos da paróquia de Nossa Senhora da Luz de Curitiba, organizada
pela respectiva junta de qualificação eleitoral, de 1876, consta o seguinte sobre
Fidêncio: tinha 39 anos de idade (sic), era casado, empregado público, filho de
Luiz Antonio Munhoz, tinha 600$ de renda anual, sabia ler e era elegível (1).
Na
realidade, ele tinha 41 anos em 1876 pois, conforme registros no Cemitério
Municipal S. Francisco de Paula, faleceu em 13 de fevereiro de 1902, “aos 67
anos”, sendo natural de Curitiba (essa data é confirmada pela nota de
falecimento publicada em “A República” do dia 14, p.1, que o chama de “nosso
amigo“ e afirma que “ele, desde muito tempo, exercia a profissão de vendedor de
bilhetes de loteria”). Deduz-se daí que ele nasceu em 1835.
Seu nome não aparece na “Genealogia
Paranaense”. Mas consta ali um Luiz Antonio Munhoz, nascido em Paranaguá, que
se casou em 1838 com Ana Maria da Luz (de quem não teve descendentes) e era
filho de Antonio José Munhoz e Rita Maria (2). Seria esse Luiz o pai de Fidêncio? Se
foi, e como Fidêncio nasceu antes do casamento referido, ele poderia ser seu filho
natural... A mãe de Fidêncio faleceu em
1856. Sei disso por uma nota publicada no jornal (3). Ele agradece aí às pessoas que
compareceram à missa que mandou celebrar na Matriz de Curitiba “pelo eterno
repouso” de sua mãe, cujo nome contudo não menciona (por que não?). Sua esposa chamava-se Leandrina Maria
do Espírito Santo Munhoz (4). Isso indica
que Fidêncio, não só pelo seu sobrenome como também pelo de sua esposa, poderia
ter alguma relação de parentesco com CJM, pois, como vimos anteriormente,
Florêncio José Munhoz, o pai deste, era sobrinho de Catharina Maria do Espírito
Santo, de quem herdou, aliás, sua propriedade rural na baía de Paranaguá. Mas a
relação precisa de parentesco de Fidêncio com CJM, se é que existiu, não
consegui precisar...
Também já vimos, ao
tratar das origens familiares de CJM, que nem todos os Munhoz de Paranaguá
desfrutavam de boa situação econômica. Vieira dos Santos citou um certo Antônio
José Munhoz (seria o avô de Fidêncio?), que recebia auxílio financeiro da Ordem
Terceira de S. Francisco das Chagas para viver, conforme deliberação de sua
congregação em 1820, “por impossibilidade de doenças e não poder trabalhar” (5). Também os
Munhoz residentes em S. José
dos Pinhais, mencionados no “Dezenove de Dezembro”, não tinham o mesmo “status”
social de CJM, de seu irmão ou cunhados (6).
A mais antiga referência
à atividade profissional de Fidêncio é a de contínuo
da Tesouraria de Fazenda. Ele é citado no relatório do primeiro presidente
da província do Paraná, conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcelos, de 15 de
julho de 1854. Tinha então cerca de 19 anos. Seu nome consta de uma relação dos
empregados da Tesouraria de Fazenda e respectiva remuneração (mapa nº 16, p.
147). Como contínuo recebia um ordenado anual de 200 mil
réis, valor que subiu para 300 mil réis (mantendo Fidencio o mesmo cargo),
conforme relação semelhante anexa ao relatório do vice-presidente J.A. Vaz de
Carvalhaes, de 7 de janeiro de 1857 (mapa nº 7, p. 75). É curioso notar que a
remuneração do cargo mais elevado na hierarquia da Tesouraria, o de Inspetor,
não era então muito maior que a sua. Importava em 600 mil réis anuais,
remuneração essa que permaneceu inalterada nesses dois relatórios (assim como a
de porteiro: 150 mil réis).
Em duas edições do
“Dezenove de Dezembro” de 1857 consta sua nomeação para o cargo de contínuo da
Tesouraria de Fazenda, e definição de atribuições. Deve ter sido readmitido a
esse cargo pelo vice-presidente Carvalhaes, uma vez que já constava do
relatório de 1854 nessa condição. Desde janeiro de 1857, Fidêncio foi encarregado, “provisoriamente”, do arranjo
e conservação do cartório dessa Tesouraria, o que explica o aumento da sua
remuneração (7)
(ele
trabalha assim na Tesouraria de Fazenda antes de nela ingressarem -- e fazerem
carreira -- Alfredo C. Munhoz e seus
irmãos).
Em 17 de outubro de 1857 Fidêncio foi
nomeado porteiro do Liceu de Curitiba,
conforme consta do relatório do Inspetor Geral do Ensino Público, Dr. Joaquim
Ignacio Silveira da Mota, transcrito em outro relatório, o do vice-presidente
J.A. Vaz de Carvalhaes, ao passar a administração da província ao presidente
Francisco Liberato de Mattos nesse ano de 1857 (p. 41). No ano seguinte é
referido no “Dezenove de Dezembro” como “porteiro do liceu”, a quem foi
concedida licença de 15 dias, a contar de 3 de julho de 1858 (8).
O
Liceu de Curitiba, origem do atual Colégio Estadual do Paraná, havia sido
criado pela lei nº 33, de 13 de março de 1846, sancionada pelo presidente da província de S.Paulo, conforme Ernani C.
Straube (foi criado assim antes da nossa
emancipação política). Seu quadro de pessoal abrangia 1 diretor, 4 professores
e 1 porteiro, “com funções também de controlador da frequência dos alunos”. Estava
instalado num prédio mandado construir pelo Conselheiro Zacarias em 1854, prédio
“de um só pavimento, construído em área útil de 990 m2 , com dez janelas, uma
porta e com frente para a rua da Assembleia” (hoje, Dr. Muricy), demolido em 1923 para dar lugar a
outro, que sedia atualmente a Casa Andrade Muricy. Em 1857 foi criada uma biblioteca
anexa ao Liceu, que se tornaria a Biblioteca Pública do Paraná (9). Como já foi
dito, CJM e seu irmão Bento Florêncio contribuíram financeiramente numa
subscrição em favor dessa Biblioteca.
Mas
em 1863 Fidêncio é referido como porteiro da Tesouraria de Fazenda (e não do
Liceu). No relatório do
presidente Antonio Barbosa Gomes Nogueira, apresentado à Assembleia Legislativa
Provincial em 15 de fevereiro de 1863, seu nome consta da relação dos
funcionários da Tesouraria Provincial como “porteiro” (p.52). Todos eles
decidiram contribuir com 50% de seu ordenado de um mês para o fundo destinado a
cobrir despesas extraordinárias do Império face à ameaça inglesa, tendo em
vista a atitude de seu representante diplomático (cf Questão Christie, já
comentada no cap 5, seção 5.1, deste trabalho). Os funcionários da Tesouraria
Provincial contribuíram mais do que a maioria das outras repartições. São todos
elogiados pelo presidente A.B. Gomes Nogueira neste relatório. Conforme ofício
que lhe foi encaminhado pela comissão responsável pela subscrição, o movimento
decidiu “que o produto da coleta fosse aplicado para fortificar os portos da
província, e no caso de sobras para a compra de armamento da guarda nacional”
(p 53).
A Tesouraria Provincial
foi separada da Tesouraria Geral por ato desse mesmo presidente, em 1º de
setembro de 1862, conforme consta na p.26 de seu relatório. Assim, desde a
instalação da província (1853) até essa data a expressão “Tesouraria de
Fazenda” refere-se tanto à administração das finanças do governo provincial
quanto do governo geral. Com a separação, Fidêncio vincula-se à Tesouraria
Provincial.
Em
1868, Fidêncio é citado como porteiro do Liceu de Curitiba em uma edição do DD (10). Mas no
final desse mesmo ano consta no jornal que ele é um dos nove signatários empregados da Tesouraria
de Fazenda Provincial que encaminham carta elogiosa ao Dr. Joaquim Dias da
Rocha, quando este deixa a inspetoria desse órgão público (11). As duas
instituições funcionavam até 1869 no mesmo prédio, aquele da rua da Assembleia
mencionado acima, o que deve explicar o fato de que ele ora é mencionado como
porteiro do Liceu, ora como porteiro da Tesouraria. O Liceu transferiu-se
naquele ano para outro imóvel. Mas a Tesouraria Provincial permaneceria ali (12). E Fidêncio
também permaneceria vinculado a ela.
Em 1867, o porteiro da
Tesouraria provincial recebia uma remuneração anual de 600 mil-réis. O contínuo
recebia apenas um ordenado de 360 mil-réis. Para efeito de comparação, o
dirigente da Tesouraria, o inspetor, recebia 2 contos, 160 mil réis. Esses
dados constam da Tabela Explicativa ao Orçamento da Despesa da província para
1867-1868, anexa ao relatório do presidente Polidoro Cezar Burlamaque de 15 de
março de 1867.
Por
algum tempo, Fidêncio complementou sua renda da Tesouraria com a de recenseador. Sebastião Ferrarini, em sua
“História de Quatro Barras”, transcreve um quadro estatístico contendo os dados
do recenseamento, realizado em 1870, da população da paróquia de Nossa Senhora
da Luz. Fidêncio Antônio Munhoz é citado nesse quadro como um dos recenseadores
da secção 9 da cidade de Curitiba. A paróquia abrangia além desta, 28
localidades próximas, hoje bairros de Curitiba ou municípios da sua Região
Metropolitana, como Santa Quitéria, Pilarzinho, Atuba, Borda do Campo, Campo
Magro, Conceição, Butiatuva, Butiatuvinha, Pacutuba (atualmente, Almirante Tamandaré),
Ribeirão da Onça, Tranqueira, Veados, Campo Comprido, Tatuquara etc (note-se essa
presença da fauna local em sua denominação, indicando o caráter ainda rústico
da região...). A propósito,
constatou-se na paróquia uma população de 12.641 habitantes, dos quais 10.344
eram livres, 965 escravos e 1.332 estrangeiros (13).
Em
25 de setembro de 1874, Fidêncio recebeu um terreno no quadro urbano de
Curitiba, conforme certidão da Câmara Municipal de Curitiba, publicada no
jornal, que cita as pessoas beneficiadas por essa medida (14).
Nesse
ano continua trabalhando na Tesouraria Provincial, pois o DD refere-se a uma
informação dessa entidade sobre um requerimento seu, em que é mencionado como “porteiro desta repartição” (15). No ano
seguinte, 1875, o jornal informa que o “porteiro” Fidêncio Munhoz é um dos
signatários da carta de despedida que os empregados da Tesouraria Provincial
dirigem ao Dr Bento Fernandes de Barros, o qual está deixando a inspetoria da repartição (16).
Em
1876 Fidêncio Munhoz, “porteiro do
tesouro provincial”, encaminha requerimento
à Assembleia Legislativa Provincial, “pedindo autorização para sua
aposentadoria”. O requerimento é encaminhado às comissões de Justiça e Fazenda (17). Como Fidêncio
era funcionário provincial, cabia à Assembleia Legislativa da província e não
ao Executivo autorizar tal providência. O DD de 10 de maio de 1876- p. 4
publica a Lei do Orçamento relativa ao
período de 1 de julho de 1876
a 30 de junho de 1877, sancionada pelo presidente
Lamenha Lins (o exercício fiscal não coincidia então com o civil, como ocorre
atualmente). Nas Disposições Permanentes a lei menciona Fidêncio Munhoz ao
reconhecer a esse “empregado da tesouraria provincial”, para fins de
aposentadoria, “o tempo que exerceu o cargo de contínuo na tesouraria geral”. Como
vimos acima, ele iniciou sua vida profissional pela Tesouraria da Fazenda, empregou-se
no Liceu de Curitiba e depois transferiu-se
para a Tesouraria Provincial, por onde se aposenta agora. Tinha, como vimos, 41 anos em 1876. Ele já
devia cumprir então os requisitos para a aposentadoria. Mas só obtém a
aposentadoria em 12 de fevereiro de 1879, conforme consta do relatório do
presidente Rodrigo Octavio de Oliveira Menezes de 31 de março desse ano, p. 91,
que acrescenta, após esse registro, “continuando esse funcionário em exercício
do lugar”. Continuou na Tesouraria da província, certamente como comissionado.
Em 1879, ele completou 25 anos desde 1854, ano em que exercia o cargo de
contínuo da Tesouraria de Fazenda, de acordo com a menção feita a ele no
relatório do presidente Zacarias antes referido.
Em
1880, Fidêncio é um dos 13 signatários de uma nota de felicitação dos
empregados do Tesouro Provincial dirigida ao seu chefe Dr. Francisco Alves
Guimarães, ao deixar a gerência interina dessa repartição (18).
Antes
disso, ainda em 1879, o DD de 24 de abril (19) publica aviso da Sociedade Lotérica
Paranaense, assinado pelo seu “presidente” Fidêncio Munhoz. Avisos em outras
edições do jornal, de 1880 e 1881, informam que certos bilhetes, identificados
por seus números, são de propriedade dos sócios ali mencionados, um dos quais é
Fidêncio. Em 1878 uma lei destinou os recursos de 10 loterias para as obras da
nova igreja matriz da capital (20) (esta levaria 17 anos para ser concluída, em
1893). Em 25 de maio de 1879 ocorreu, no prédio da Assembleia Provincial, a
extração da 1ª loteria em benefício de tais obras, conforme o relatório do
presidente Manuel Pinto de Souza Dantas Filho de 4 de junho de 1879, p.
22. Esse mesmo presidente, em outro
relatório (de 16 de fevereiro de 1880, p.31), afirma que em 24 de novembro mandou entregar à
comissão encarregada das obras da nova matriz o valor de 6:452$900, “produto
líquido” da 1ª loteria. Esse montante, acrescido do “produto de subscrições,
donativos particulares e os materiais da velha matriz”, possibilitaria a
retomada das obras. Em breve, diz
ele, seria extraída a 2ª. loteria.
Dentre
as alternativas econômicas que busca, para lhe reforçar o orçamento futuro,
como aposentado, está a fiscalização da iluminação da capital. No DD de 26 de
dezembro de 1877- p. 2 consta que Fidêncio Munhoz e Josino Tito da Costa
pediram à presidência da província gratificação pela fiscalização da iluminação
da capital. O requerimento foi indeferido, com a alegação de falta de verba.
Mas é sugerido a eles que solicitem à Assembleia Provincial.
Em 1884, a remuneração
de um porteiro da Tesouraria Provincial, conforme o relatório do presidente
Oliveira Bello de 22 de agosto desse ano, p.78, era de 700$000. A remuneração
mais alta era do inspetor-- 3:000$000 e a mais baixa a do contínuo-- 600$000.
Essa Tesouraria da Fazenda Provincial contava ao todo com 10 funcionários.
Em
20 de agosto de 1885, com a queda do gabinete Saraiva, os liberais -- que
dominavam o governo imperial desde 1878 -- são substituídos pelos
conservadores, assumindo nessa data o gabinete do Barão de Cotegipe, o que
naturalmente repercute sobre o governo provincial, a direção de sua Tesouraria,
e até mesmo sobre o porteiro desta.
Alguns
dias depois daquele fato, no DD de
28 de agosto, p. 3, consta esta nota: “Foi dispensado a seu pedido do cargo de porteiro
do tesouro provincial o porteiro aposentado Fidencio Antonio Munhós”. Logo depois, o DD de 5 de setembro de 1885, p.2-3,
publica carta de Fidêncio endereçada ao inspetor do Tesouro Provincial
Francisco Alves Guimarães em que ele lhe agradece pelo modo como foi tratado,
apresenta aos colegas sua manifestação de estima e afirma retirar-se “saudoso”
da repartição. Como se vê, ele, apesar de funcionário subalterno, procedia como
os superiores. Na edição do jornal do dia seguinte, dia 6 (21), consta que
tanto o inspetor quanto o tesoureiro ten-cel Benedicto Eneas de Paula
(destacado na carta de Fidêncio Munhoz como de sua estima) foram exonerados
“ontem”, a pedido, do Tesouro Provincial. Infere-se assim que Fidêncio se
solidariza politicamente com eles, figuras importantes do Partido Liberal. F.
Negrão informa que Francisco Alves Guimarães (1845-1890) formou-se pela
faculdade de Direito de S.Paulo, ocupou vários cargos públicos e foi deputado à
Assembleia Provincial em várias legislaturas. E que o coronel Eneas, sogro de
Generoso Marques dos Santos, foi “grande proprietário e capitalista abastado”,
também deputado à Assembleia Provincial em várias legislaturas, “Camarista e
presidente da Câmara Municipal de Curitiba diversas vezes” (22)..
Deixando
o cargo de porteiro da Tesouraria, retorna às atividades lotéricas. O DD de 19 de maio de 1886- p. 3 publica
nota assinada por Fidêncio Munhoz sobre assunto relacionado a loteria
(alteração de n° de série). Ele se assina como “bilheteiro”. Três meses
depois, o jornal mostra que ele já está estabelecido, ao publicar este anúncio
da “Flor Curitybana”, situada na praça de D. Pedro 2º, nº 39 (atual praça
Tiradentes) (23):
Agência de bilhetes
de loteria da província, dirigida por Fidencio Munhós. Tem sempre variado
sortimento de boas marcas de cigarros e charutos assim como sementes de
hortaliças novas.
Mas havia também na cidade a “Agência geral das loterias do Paraná”, a
cargo de Ciro Veloso, pai de Dario Veloso (1869-1937), então adolescente. Ciro
seria prefeito de Curitiba em 1889 e dirigente do Clube Curitibano de 1889 a
1901 (24).
*
Até
aqui busquei indicar o modo como Fidêncio se inseria na sociedade curitibana de
então em termos profissionais. Vou tentar agora caracterizar a sua presença em outras
atividades, com base nas referências feitas a ele no “Dezenove de Dezembro”,
desde as mais antigas.
Em
1859, a
julgar pelos dados citados acima, Fidêncio Antônio Munhoz tinha cerca de 24 anos
de idade, e era porteiro do Liceu de Curitiba.
Apesar de ser um funcionário humilde,
tinha altivez suficiente para encaminhar ao jornal esta carta (reveladora de
boa instrução), publicada no DD (25), em que critica o coronelismo de então
em nome dos novos tempos e reclama, em tom irônico, da injustiça cometida
contra ele:
Sr. redator—Tendo eu
no domingo 9 do corrente mês e ano saído ao campo em procura de um animal, que
havia desaparecido, fui violentamente acometido pelo Sr. Candido Machado
Fagundes e 4 escravos seus, que lhe formavam o séquito.
Depois de me haverem
estes 5 leões deitado por terra, e coberto de mil injúrias, ordenou o Sr.
Candido Machado que eu fosse amarrado, o que fielmente cumpriram os seus
comparsas. Assim estive por algum tempo entregue à brutalidade desses 5
campeões, ouvindo impassível as vociferações de ladrão de cavalos e outras; e,
quem sabe, até onde iria o bom acolhimento que me fazia o Sr. Candido Machado,
a não passar na ocasião uma tropa?
Este procedimento do
Sr. Candido Machado é digno dele, que supõe poder ainda reviver os antigos
tempos em que cada um praticava impunemente atos tais. Hoje, porém, mudaram-se
as cenas; os nossos baxás (*) de aldeia vão sendo chamados ao cumprimento de
seus deveres pela força e moralidade das autoridades, que não atendem para as
posições acidentais do indivíduo, quando tratam de distribuir justiça.
Publicando estas
linhas, Sr. redator, o meu fim é tornar patente este ato de selvageria, para
que outros se não exponham a iguais tratos de delicadeza do sr. Candido Machado. Sou
&c.
Fidencio A. Munhós
Curitiba,
11 de janeiro de 1859.
-----------------------------
(*) Baxá
ou paxá: “Título dos governadores de províncias do Império
Otomano. Fig. e pop. Indivíduo
poderoso e insolente; mandão” (dic. Aurélio)
O arrogante Candido
Machado Fagundes era um empreiteiro de obras públicas, referido nos relatórios
dos presidentes da província do período 1864-1869, contratado para executar os
seguintes projetos: construção de uma ponte sobre o rio S.João, na estrada da
Graciosa, no valor de 1:900$000 (26);
uma ponte, quatro pontilhões e aterros
cobertos de areia na estrada de S. Francisco, bem como um desvio nos lugares
denominados Miringuava e Miringuava-mirim pela quantia de 2:300$000 (juntamente
com Alberto Wedelstett) (27); obras na estrada de Campo Largo a
Palmeira, no valor de 818$000 (28);
serviços na estrada do Arraial, pelos quais recebeu 2:391$360 (29).
Em
1865, Fidêncio era “irmão procurador” da Irmandade
do Senhor Bom Jesus do Perdão (ou dos Perdões, como é também chamada), existente
na igreja de N Sra do Rosário, em Curitiba (além desta, havia aí as irmandades
do Rosário e de S.Benedito, dos pretos). Consta que tal igreja foi a segunda
construída em Curitiba, em 1737, após a Matriz, de 1715, que substituiu a
antiga Igreja de N Sra da Luz e Bom Jesus dos Pinhais existente no local, dos
primórdios da cidade, “naturalmente alguma ermida de madeira, onde se
celebravam os ofícios religiosos desde 1654”, segundo F. Negrão). A igreja do
Rosário foi a Matriz da cidade durante a construção da atual Catedral (1875-1893)
(30).
O
DD de 20 de maio de 1865- p. 4 publica duas notas assinadas por Fidêncio como
procurador. Na primeira, convida os irmãos a comparecerem no consistório daquela
igreja para a eleição da nova mesa da Irmandade; na segunda, comunica que será
festejado no dia 25 de maio o Senhor Bom Jesus do Perdão com missa solene e
procissão à tarde. Lembra também que serão cobradas as “entradas e anuais dos
irmãos e irmãs que têm deixado de pagar” (31).
Cabem
aqui duas citações. A primeira, do “Dicionário do Brasil Colonial”, embora a
época histórica a que pertencem as observações deste capítulo não seja mais
essa. Há que se reconhecer, todavia, o peso da tradição, e a lentidão das
mudanças sociais. Além disso, nossa sociedade continuava a ser escravista,
característica básica do período colonial:
Perpassando de alto a
baixo a sociedade colonial, as irmandades
/.../ integravam seus respectivos associados em redes de sociabilidade e
de solidariedade /.../ havia-as de pobres ou da elite; havia-as de escravos,
libertos ou homens livres; havia-as, enfim, de brancos, mestiços ou negros (32).
A
segunda citação é de outro Dicionário, o do Brasil Imperial, organizado pelo
mesmo historiador (Ronaldo Vainfas), e salienta
a diferença entre as
poderosas irmandades das santas casas de Misericórdia,
que reuniam os mais bem situados de cada localidade, e o das irmandades de
Nossa Senhora do Rosário, que atraíam os descendentes de africanos em todo o
Império (33).
Essas
observações, apesar de se constituírem em generalizações a partir da história
do Brasil, são úteis pelo que sugerem sobre a nossa realidade local.
Em
1867, consta no jornal (34) nota sobre nova eleição, realizada em
29 de maio desse ano, da mesa dessa mesma Irmandade que vai funcionar no “ano
compromissal” de 1867 a
1869. Compareceram à eleição 152 irmãos. Saíram eleitos, dentre outros, Fidêncio
Antônio Munhoz como “procurador” (com 77 votos) e o tenente Caetano Alberto
Munhoz (filho de CJM) como um dos 12 “mesários” (com 74 votos).
Fidêncio
também é citado no DD como “procurador” da Irmandade do Senhor Bom Jesus do
Perdão nos anos de 1871 e 1872. Em dezembro de 1871, ele informa que serão rezadas
missas pela alma dos irmãos instituidores capitão Ermelino Marques dos Santos e
Claudino José Pereira na igreja de N.Sra. do Rosário no altar do Senhor Bom
Jesus do Perdão. Nos anúncios de 1872 ele convida a população para a “missa cantada em louvor do mesmo
Senhor” e também convida os irmãos para comparecerem à eleição dos
administradores da Irmandade que será realizada na igreja do Rosário (35). Nessa
eleição, Fidêncio foi eleito um dos 12 “mesários” da Irmandade (36). A
“juíza” é a sra. Emília Vidalvina do Pilar França e o “juiz”, o sr. Bento
Antonio de Menezes (esse músico conceituado já foi referido quando tratei do
casamento de Augusta, filha de CJM). A nova mesa eleita, relativa ao “ano
compromissal de 72 a
73” ,
tomaria posse no dia 7 de julho de 1872. No ano seguinte, Fidêncio é reeleito
como um dos 12 mesários da mesma Irmandade (37). Depois de 1873, seu nome não mais será citado no DD como procurador, ou mesário, da
Irmandade do Senhor Bom Jesus do Perdão. Mas será citado como um simples
“irmão” muitos anos mais tarde, em 1888 (38), o que significa que ele continuava
membro da Irmandade, mas sem participar de sua administração.
Fidêncio,
por outro lado, constará ainda como “procurador” da festa de N. Sra da
Conceição, realizada em 8 de dezembro na capela de S. Francisco de Paula, ao
longo do período 1875-1880. Após 1880, também deixará de ser referido de modo associado
a essa festa religiosa.
A
capela citada havia sido construída no Alto de S.Francisco em 1809. A intenção da
época era construir ali uma igreja de maior porte, pois as três existentes
estavam em condições muito precárias (igreja Matriz, da Ordem e do Rosário). Mas
enquanto a capela existiria durante todo o século XIX e só seria demolida em 1915
(na gestão do prefeito Cândido de Abreu), a igreja não chegou a ser construída,
restando dela apenas as ruínas de sua fachada (39).
Em
1874, sob o título “Festividade”, o jornal informa que se realizou, “na capela
de S.Francisco de Paula, a missa cantada em louvor de N.S. da Conceição”. Na
sequência, a nota aponta quais são os festeiros para o ano vindouro: o juiz é
Eleutério José de Freitas, a juíza D. Maria da Conceição Freitas, e o
procurador é Fidêncio. Dentre os “noveneiros” citados constam os nomes de
Adolpho Ribas de Oliveira Franco (sobrinho de CJM) e D. Augusta Candida Munhoz
Negrão (filha de CJM). Fidêncio também será festeiro em 1877 e 1878 (40). Em 1876, o
DD traz nota assinada pelo procurador Fidêncio
informando que a festa de N Sra
da Conceição foi transferida para 8 de dezembro “do corrente ano”, “na igreja
de S. Francisco de Paula”. Em edições posteriores do DD, ele, como procurador, informa
sobre missa em louvor de N Sra da Conceição e pede o comparecimento de todos
para acompanharem “a mesma Senhora” da rua do Rosário à igreja Matriz; informa também
que a festa de 1879 foi transferida para 8 de dezembro de 1880. Confirma depois,
mais próximo da data, que a festa será realizada nesse dia, “começando as
novenas no dia 29 de novembro corrente”. Um dos “noveneiros” citados é Francisco
David Perneta (o pai de Emiliano). Informa ainda que a festa de 1881 foi
transferida para o ano seguinte (41).
O
espírito comunitário de Fidêncio Antônio Munhoz, evidenciado pela sua
participação ativa na Irmandade Senhor Bom Jesus dos Perdões e em festividades
religiosas, também se revelou no apoio que prestou a diversas famílias
enlutadas, e na fundação da Sociedade Protetora dos Operários. Essa é a
conclusão que se tira das frequentes referências a ele em notas de
agradecimento publicadas no “Dezenove de Dezembro” e também nas notícias sobre essa
Sociedade.
D.
Presciliana da Costa Abreu, por exemplo, ao retirar-se para o litoral, agradece,
por uma edição do DD de 1876 (42), aos médicos que atenderam ao seu “sempre
lembrado” marido Manoel do Nascimento Abreu e a alguns “dignos cidadãos que
também se prestaram generosamente a todos os atos religiosos independente da
mínima retribuição”. Fidêncio Munhoz é um desses cidadãos, citados
nominalmente. Uma semana depois, em outra edição do jornal (43), consta que
D. Presciliana foi nomeada “para reger interinamente a cadeira do sexo feminino
do povoado de S. João da Graciosa”. A julgar pelos casos de D. Narcisa e D.
Maria do Céu antes referidos, e também o desta senhora, o magistério era uma
alternativa profissional para as viúvas (e solteiras) obterem alguma renda, numa
época em que a Previdência Social não existia, ou era ainda embrionária.
Em
outras edições do DD, nos anos de 1877, 1880, 1881, 1883 e 1887, notas de familiares enlutados citam Fidêncio
dentre as pessoas que agradecem (44). Merece destaque, por revelar um
aspecto inédito da personalidade de Fidêncio, a nota da família do falecido
Benedito Antônio da Luz, publicada no DD, em 1883 (45). Ela agradece, além do médico Dr. Trajano
Reis, dos padres e alguns outros, três pessoas, uma delas Fidêncio Munhoz,
“distintos músicos, pelo memento (46) que se dignaram cantar”. Em 1885,
Fidêncio foi novamente um dos cantores, desta vez na missa de 7º dia do padre Júlio
Ribeiro de Campos (vigário geral forense da província do Paraná, já referido, de
quem Florêncio José Munhoz, filho de CJM, era muito amigo, assistindo-o no leito
de morte). Nessa missa cantada solene de réquiem, o coro dos padres (em que um
deles tocava o órgão da igreja Matriz) foi auxiliado “pelos prestimosos
cantores Srs. Ramires, Jegé, Júlio Lange e Fidencio Antonio Munhós” (47). Na mesma
edição do jornal, p. 3, consta nota de agradecimento do padre José Joaquim do
Prado, vigário da igreja Matriz de Curitiba (48), às pessoas que colaboraram por
ocasião das exéquias solenes e missa cantada, inclusive “Fidencio Antonio
Munhós e mais excelentes cantores”.
Com
relação à Sociedade Protetora dos
Operários, o DD de 27 de junho de 1883- p. 4 informa que ela foi instalada
em Curitiba, e cita a sua diretoria. Fidêncio
é o vice-presidente, sendo presidente, Manoel de Azevedo da Silveira Júnior, “espírito
inculto, mas muito inteligente, conhecedor de diversas profissões manuais,
sendo a de tanoeiro a principal”, nas palavras de Andrade Muricy sobre o pai do
poeta simbolista paranaense Silveira Neto e o avô do também poeta Tasso da
Silveira) (49).
Compunham
a diretoria, ainda, o 1º secretário Eulampio Rodrigues de Oliveira Vianna, o 2º
secretário Affonso Guilhermino Wanderley, o tesoureiro Salvador José dos
Santos, o procurador João Baptista G. de Sá e os comissários Candido Norberto
Lopes e Gabriel Vieira. Na mesma edição do DD, consta anúncio do Circo
Sul-Americano, cujo espetáculo seria em benefício da nova sociedade.
A
Sociedade Protetora dos Operários é a mais antiga entidade associativa dos
operários locais dentre as relacionadas no livro “A Greve Geral de 17 em
Curitiba”, onde se afirma que a iniciativa de sua fundação foi do pedreiro Benedito
Marques. Seus membros, segundo a mesma fonte, eram “liderados pelo jornalista
Agostinho Leandro, que na época publicava um jornal conhecido como Operário Livre” (50).
Em
julho de 1883, o “Dezenove de Dezembro“ publica matéria elogiosa à Sociedade, e
transcreve carta do Dr.Trajano Reis dirigida ao vice-presidente (Fidêncio), em
que agradece ter sido escolhido “sócio
benemérito” da entidade. Também o farmacêutico Francisco Jerônimo Pereira Pinto
Requião ofereceu-se “gratuitamente para ministrar os medicamentos aos
associados, em casos necessários” (51).
Os sócios se reuniriam no dia 29 de julho de 1883 “a fim de eleger-se a nova diretoria que tem de servir durante o semestre de agosto deste ano a janeiro de1884” (52). Antes mesmo
da Sociedade publicar seus Estatutos, ela já estava atuando em benefício do seu
público-alvo. O DD de 4 de agosto de 1883- p. 3 publica, em “A Pedido”, nota de
agradecimento à entidade assinada por Bernardino de Freitas Saldanha, a rogo de
Francisco de Paula Mendes. Sua filha, de dois anos de idade, faleceu e a
Sociedade lhe deu apoio “em tão angustioso momento”.
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Dr. Trajano Reis |
Os sócios se reuniriam no dia 29 de julho de 1883 “a fim de eleger-se a nova diretoria que tem de servir durante o semestre de agosto deste ano a janeiro de
Constata-se
assim um caráter assistencialista na Sociedade, mas a sua constituição significava
um avanço para a época. Assegurava, ao menos,
atendimento médico (viabilizado especialmente pela colaboração do Dr. Trajano
Reis e de Francisco Requião) ou auxílio funeral aos operários e suas famílias.
Aliás, quanto ao Dr. Trajano Reis, alguns anos antes, em 1880, Fidêncio foi um
dos membros da comissão constituída para homenageá-lo, ofertando-lhe o seu
retrato a óleo, como prova de gratidão. Também segundo o DD, a festa em sua
homenagem reuniu mais de 300 pessoas. O Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho
(que alguns anos mais tarde seria presidente da província) foi o orador dessa
festa. Mas Fidêncio também falou, por parte da população agradecida (53). Certamente
foi graças a esse bom relacionamento de Fidêncio com o Dr. Trajano que ele
obteve o envolvimento do médico em favor dos membros da Sociedade... além
naturalmente da disposição generosa deste em atender gratuitamente aos pobres,
como constava em seus anúncios no jornal (não só dele, mas também de outros
médicos, nessa época, contrastando com a atitude pouco generosa desses
profissionais da saúde atualmente...).
Em
3 de outubro de 1883, o DD, na p.4,
inicia a publicação dos Estatutos da Sociedade Protetora dos Operários, cujo
objetivo ali expresso é “socorrer ao sócio e aos desvalidos que
involuntariamente cair (sic) na desventura e precise do auxílio do próximo” (a publicação
é concluída no DD de 31 de outubro do mesmo ano, p. 3). No final do texto, Fidêncio,
é um dos signatários, como vice-presidente. Mas não o será por muito tempo mais.
O DD informa que em 18 de novembro haverá eleição para a escolha do
vice-presidente, 1º secretário e orador da Sociedade (54). E logo
depois o jornal publica nota da Sociedade Protetora dos Operários informando os
sócios que foram eleitos para os cargos vagos da diretoria. A nota começa
assim:
Em vista de ter sido dispensado do cargo o
vice-presidente e terem pedido suas exonerações o 1º secretário, orador e
procurador desta sociedade, procedeu-se a eleição extraordinária a fim de
preencher os lugares (55).
Em
6 de dezembro do mesmo ano, 1883, outra nota da Sociedade comunica que na
sessão do dia 2 Fidêncio foi eliminado “a bem da sociedade”, porque “deixou de
satisfazer compromissos, cuja deliberação foi tomada em sessão do dia 28 de
outubro próximo findo” (56). Que
compromissos são esses, a nota não esclarece. De qualquer forma, o episódio
revela que Fidêncio tinha personalidade forte, era fime em suas convicções e
não se adaptava facilmente às circunstâncias com as quais discordava.
Conforme
o DD, em 1887 a Sociedade celebraria seu 4º aniversário em 29 de janeiro (57). Logo, ela
foi constituída formalmente
nessa mesma data, em 1883. Trata-se da atual Sociedade Beneficente e Protetora
dos Operários estabelecida em sede própria no Alto de S.Francisco desde 1902 (58).
Referi-me acima ao bom relacionamento entre o
Dr.Trajano Reis e Fidêncio. É a esse médico que ele recorre quando um filho seu
foi ferido brutalmente. No DD de 31 de agosto de 1884- p. 4 consta nota de
agradecimento por parte de Fidêncio e Leandrina Maria do Espírito Santo Munhoz ao
Dr. Trajano Reis, e também ao farmacêutico Francisco Pereira Pinto Requião pelo
atendimento que deram ao seu filho Luiz “que recebera um horrível golpe de
machado na cabeça”. Destacam os esforços que o Dr.Trajano empregou no
“milagroso curativo” que fez em
Luiz. Este não era o único filho de Fidêncio, pois edição do
jornal de novembro de 1883 também cita João Gerêncio Munhoz, que foi
ilegalmente excluído do alistamento militar e é naquela data convocado (59).
Existem mais algumas
menções a ele no “Dezenove de Dezembro” que gostaria de incluir aqui, a fim de
completar essa tentativa de retratar as circunstâncias sociais da vida de um
Munhoz de condição mais humilde, em constraste com as de outros membros dessa
família, pertencentes à elite curitibana de então. Todos esses fragmentos esparsos,
os anteriores e os que apresento a seguir, reunidos de forma sistemática,
talvez possam lançar alguma luz sobre o seu meio e o seu tempo.
Fidêncio
foi signatário, como vimos, de diversas manifestações elogiosas dos empregados aos
dirigentes de sua repartição, ou do governo provincial, quando eles deixaram os
respectivos cargos. Além dessas, ele assinou também outras, de caráter diverso,
como indico a seguir.
É
um dos cidadãos que assinam, em 19 de dezembro de 1873, o “Termo da colocação
da pedra fundamental do novo mercado desta cidade”, situado no Largo da Cadeia,
atual praça Generoso Marques. O mercado municipal, cujo prédio foi efetivamente
construído, ali funcionou de 1874 a 1913, quando a Prefeitura o transferiu para
outro local. Em seu lugar construiu o Paço Municipal, inaugurado em 1916. O
primeiro nome da lista citada é o do presidente Frederico José Abranches. Alfredo
C. Munhoz, filho de CJM, também consta dessa lista (60). Ele era
então Contador da Tesouraria de Fazenda.
No
ano seguinte, 1874, Fidêncio assinou a ata da União Curitibana relativa à cerimônia
de colocação da pedra fundamental do Teatro S.Theodoro, antecessor do teatro Guaíra
(a União Curitibana era uma “sociedade teatral beneficente” presidida pelo Dr.
Agostinho Ermelino de Leão). Outro signatário da ata é Manoel de Souza Dias
Negrão, genro de CJM (61).
F.A.
Munhoz, “empregado público”, foi uma das pessoas que assinaram a manifestação
de apreço ao ministro Cansação de Sinimbu pelo decreto “que tornou realizável a
estrada de ferro do porto D.Pedro II, em Paranaguá, para esta capital”. A
publicação da longa relação de nomes é concluída em “O Paranaense” de 8 de
julho de 1879, p. 2. Constam aí também os nomes de Adolpho Ribas de Oliveira
Franco (“empregado público”), F. de Paula Ribeiro Vianna (“t. coronel”),
Nivaldo Teixeira Braga (“diretor do Colégio Curitibano”), Carlos Vieira da
Costa (“empregado público”), Jesuíno da Silva Lopes (“gerente do ‘Dezenove de
Dezembro’”), dentre outros.
Muitos
anos depois, em uma edição do DD de 1888, o nome de Fidêncio também consta numa
longa relação de pessoas que dão “um público testemunho de consideração,
afeição e amizade” ao vigário da paróquia de N. Sra da Luz de Curitiba, padre
José Joaquim do Prado, que está deixando de exercer tal função (62).
Antes
disso, nessa década de 1880, o jornal menciona ainda seu nome quando publicou notícias
sobre doações ao Museu provincial e também sobre a inclusão de cidadãos no alistamento eleitoral e na reserva da
Guarda Nacional.
O
Museu Paranaense foi aberto ao público em 25 de setembro de 1875, ocupando um prédio
localizado na atual praça Zacarias, segundo o “Dicionário Histórico-Biográfico
do Paraná”. Era inicialmente uma instituição particular, mantendo-se “graças ao
zelo de seus fundadores e às contribuições do favor público”. “A 22 de maio de
1880 recebeu a visita do Imperador Pedro II e nas suas dependências foi
realizado o sarau oficial em homenagem ao Imperial Visitante”. Em 1883
tornou-se órgão público, incorporando-se ao governo da província do Paraná (63).
Logo
no início dos anos de 1880, constam notas sobre doações que Fidêncio fez ao
Museu provincial, como muitas outras pessoas da comunidade também fizeram, certamente
atendendo a apelos formulados nesse sentido. Assim, no DD de 31 de janeiro de
1880- p. 4, consta que Fidêncio doou ao Museu uma moeda de cobre da Bélgica (e
Bento Munhoz da Rocha, “o modelo de uma corveta a vapor fabricado em
Antonina”). No final do mesmo ano Fidêncio doou uma moeda de cobre de 1762 da
Alemanha (64). Posteriormente, em 1882, também doaria uma
moeda de cobre. Desta vez, russa, de 1872 (65).
No
começo de 1881, foi baixado, como vimos, o decreto nº 3.029, de 9 de janeiro, a
chamada “Lei Saraiva”, que aboliu o sistema indireto de eleição de deputados e
senadores. Os cidadãos, para poderem votar, deviam alistar-se como eleitores.
Em março desse ano, o DD publica os nomes dos cidadãos que requereram tal alistamento, um dos quais é
Fidêncio (66).
Ele
satisfazia aos critérios então vigentes para ser eleitor, pois seu nome
constará posteriormente na relação dos incluídos no alistamento eleitoral da
paróquia de Curitiba. Essa relação integra o edital do juiz de direito da
comarca da capital, Dr. Agostinho Ermelino de Leão, publicado pelo DD em junho
de 1881 (67).
De
acordo com ela, Fidêncio pertence ao 2º distrito, 5º quarteirão: é o nº 259
(anteriormente, no final de 1879, o DD publicara a divisão de Curitiba em dois
distritos policiais, cada um com 16 quarteirões, que são aí identificados pelas
ruas e bairros) (68). Aparentemente,
com essa maior precisão da localização do domicílio do votante, buscava-se um
aperfeiçoamento do processo eleitoral, que continuou contudo a apresentar
problemas. A “Lei Saraiva” substituiu toda a legislação eleitoral anterior.
Além de abolir a eleição indireta, tornava o alistamento eleitoral permanente (69).
Em
1884 o jornal publica, em várias edições, a relação “dos guardas nacionais
alistados para o serviço da reserva pelo conselho de qualificação da paróquia
de Nossa Senhora da Luz do município de Curitiba”. A parte da relação que é publicada na edição
de 25 de julho de 1884- p. 4 menciona Fidêncio Munhoz. Dentre os nomes aí
citados constam os do comendador Antonio Alves de Araújo, Emygdio Wetsphalen e
Generoso Marques dos Santos. É curioso como uma sociedade profundamente
desigual como a dessa época escondia sua verdadeira face. Fidêncio consta nessa relação ao lado de gente
muito rica como o comendador Araújo ou de políticos importantes como Generoso
Marques. Afinal todos eles eram iguais (perante Deus)...
NOTAS
(1) DD de 6.05.1876- p. 4. Essa edição do jornal continua a publicar tal lista, iniciada no DD de 29.04.1876- p. 3.
(1) DD de 6.05.1876- p. 4. Essa edição do jornal continua a publicar tal lista, iniciada no DD de 29.04.1876- p. 3.
(2) NEGRÃO,
Francisco—“Genealogia Paranaense”- op cit, v.VI, p. 296.
(3) DD de 13.02.1856-p.4
(4) DD de 31.08.1884-
p. 4.
(5) SANTOS, Antônio
Vieira dos-- “Memória Histórica de Paranaguá”- op cit, v.II, p. 138.
(6) Algumas menções a
esses outros membros da família Munhoz feitas no jornal: DD de 21.12.1872- p.
2; DD de 12.11.1873- p. 3; DD de 15.11.1873- p. 1; DD de 3.05.1873- p.4; DD de
3.03.1877- p. 3
(7) DD de
6.05.1857-p.2; DD de 13.05.1857- p. 2.
(8) DD de
7.07.1858-p.1
(9) STRAUBE, Ernani
Costa—“Do Licêo de Coritiba ao Colégio Estadual do Paraná: 1846-1993” . Curitiba: Fundepar,
1993- p.5, 10-15; ver também “DICIONÁRIO Histórico-Biográfico do Estado do
Paraná”- op cit, p. 88
(10) DD de 1.01.1868-
p. 3. Consta aí despacho mandando pagar ao “porteiro do liceu Fidencio Antonio
Munhós a quantia de 16$, importância das despesas feitas com o asseio do mesmo
liceu e biblioteca pública, nos meses de Outubro e Novembro últimos”.
(11) DD de
25.11.1868, p.3
(12) STRAUBE, Ernani
Costa-- op cit, p.14-15
(13) FERRARINI,
Sebastião—“História de Quatro Barras”. Curitiba: Editora Universitária
Champagnat, 1987- p.122. Além das citadas, a relação das 28 localidades inclui
Paiva, Ahu,Uberaba, Alto, Palmitar, Cachoeira, Morro Grande, Beixininga,
Juquiri, Marmeleiro, Serro Negro, Campo Novo, N. Sra das Mercês e Capivari.
(14) DD de 10.02.1875-
p. 3
(15) DD de
24.10.1874- p.2. Trata-se de informação da Tesouraria Provincial à presidência
da província com opinião favorável ao requerimento de Fidêncio, “porteiro desta
repartição”, encaminhado à Assembleia, pedindo autorização para que lhe fossem
restituídos 384$000 pelo serviço que prestou como porteiro do Liceu. No DD de
7.11.1874- p.1, consta despacho da presidência mandando a Tesouraria Provincial
restituir a Fidêncio aquela importância. Ver também DD de 27.05.1874- p.3.
(16) DD de 1.05.1875-
p.3
(17) DD de
12.04.1876-p. 2
(18) DD de 6.03.1880-
p.3
(19) DD de
24.04.1879- p.4
(20) Trata-se da lei
nº 504, de 12.05.1878. Ver ainda: DD
de 4.09.1880- p. 4; DD de 11.09.1880- p. 4; DD de 21.09.1881- p. 4. A “Província do Paraná” de 10.05.1879- p. 4
também informa que os recursos da Loteria Provincial eram destinados às obras
da nova Igreja Matriz de Curitiba.
(21) DD de 6.09.1885-
p. 2
(22) NEGRÃO,
Francisco- “Genealogia Paranaense”- op cit, v.I, p.437-439; v.II, p.118-119
(23) DD de
17.08.1886- p.3
(24) Cf anúncio no DD
de 18.08.1886- p.2. Cf também NEGRÃO, Francisco—“Genealogia Paranaense”- op
cit, v. III, p. 256; HOERNER JÚNIOR, Valério et al.-- “Academia Paranaense de
Letras: biobibliografia”- op cit, p. 140.
(25) DD de 12.01.1859-
p. 4
(26) Relatório do
vice-presidente Sebastião Gonçalves da Silva apresentado na Assembleia
Legislativa Provincial em 21.02.1864, p.37.
(27) Relatório do
presidente André Augusto de Padua Fleury, apresentado na Assembleia Legislativa
Provincial em 21.03.1865, p. 43.
(28) Relatório do
presidente André Augusto de Padua Fleury, apresentado na Assembleia
Legislativa Provincial em 15.02.1866, p.
49.
(29) Relatório do
presidente Antonio Augusto da Fonseca, apresentado na Assembleia Legislativa
Provincial, em 6.04.1869, p.18-19.
(30) FEDALTO, Pe.
Pedro- “A Arquidiocese de Curitiba na sua História”- op cit, p. 41 e 181
(31) Conforme o DD de
24.05.1865- p. 4 houve alteração da data da festa e da eleição da nova mesa
(32) VAINFAS, Ronaldo
(org.)- “Dicionário do Brasil Colonial”- op cit, p. 317.
(33) VAINFAS, Ronaldo
(org.)- “Dicionário do Brasil Imperial”- op cit, p. 390.
(34) DD de 1.06.1867-
p.4
(35) DD de
16.12.1871- p.4; DD de 4.05.1872- p.4
(36) DD de
11.05.1872- p.4
(37) DD de 11.05.1872-
p.4; DD de 22.05.1872- p.4; DD de 6.07.1872- p.4; DD de 8.10.1873- p. 3
(38) Nota da
Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Perdões, publicada no DD de 6.10.1888- p.3 e
assinada por seu procurador Joaquim Castilho Gomes, informa que “os irmãos”
Fidêncio Antônio Munhoz e Francisco Antônio de Paula “foram encarregados de
proceder à cobrança dos anuais vencidos”. A nota pede que “todos os irmãos que
se acham em débito queiram satisfazer visto ter a mesma irmandade de atender a
certas despesas ultimamente autorizadas” (essas despesas relacionavam-se,
talvez, à construção da igreja do Senhor Bom Jesus dos Perdões no Largo da
Misericórdia, cuja pedra fundamental fora colocada em 15.08.1886- v. antes,
seção 5.4 do cap. 5).
(39) BAPTISTA, Vera
Regina Biscaia Vianna—“Ruínas de São Francisco: dois séculos de história e
mito”. Curitiba: V.R.B.V.Baptista, 2004- p. 10-13 e 34
(40) DD de
10.03.1877- p. 3; DD de 22.12.1877- p. 3
(41) DD de
12.12.1874- p. 4; DD de 29.01.1876- p. 4; DD de 31.01.1877- p. 4; DD de 29.11.1879-
p. 4; DD de 10.11.1880- p. 4; DD de 30.11.1881- p. 4. A “Província do Paraná”
de 8.02.1879- p. 3 também cita os
festeiros eleitos da festa de N.Sra da Conceição. O juiz era o Dr. Generoso
Marques dos Santos. Um dos noveneiros, Francisco David Perneta. E o único
procurador, Fidêncio Antônio Munhoz.
(42) DD de 2.09.1876-
p. 2
(43) DD de 9.09.1876-
p.3
(44) Cf. DD de
3.02.1877- p. 3 (família de Candido José Ferreira); DD de 18.09.1880- p. 3; DD
de 23.11.1881- p. 4 (familiares do capitão Nestor Augusto Morocines Borba); DD
de 7.02.1883- p.3 (nota de agradecimento de Maria da Conceição e Souza Araújo);
DD de 30.04.1887- p. 2 (família de Generoso de Paula Gomes. Segundo o DD de
29.04.1887- p.2, este era conhecido como “mestre Generoso” e teve uma pequena
banda de música. Romário Martins informa que Generoso era filho natural do
tropeiro Francisco de Paula e Silva Gomes (1802-1857), “ardoroso propagandista
da elevação da 5ª. Comarca de São Paulo à categoria de Província”. Herdou dele
seu violino) (cf MARTINS, Romário—“História do Paraná”, op cit, p.264). Um dado
a mais, revelador da personalidade de Fidêncio: na “Província do Paraná” de
3.10.1879- p. 3, seção “Juízo de Órfãos”, ele é mencionado como tutor dos
filhos do f (= falecido?) Arcenio Pompilio de Paula.
(45) DD de
15.09.1883- p. 3
(46) Memento: “Cada
uma das duas preces de cânon da missa” (dic. Aurélio)
(47) DD de
16.04.1885- p. 2
(48) DD de
26.04.1885- p.4
(49) MURICY,
Andrade—“Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”. Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1951- v. II, p. 84 e 1952- v. III, p.
357
(50) FONSECA, Ricardo
Marcelo e GALEB, Maurício—“A Greve Geral de 17 em Curitiba”. Curitiba: IBERT,
1996- p. 26 e 98
(51) DD de
25.07.1883- p.4
(52) DD de
28.07.1883- p.4
(53) DD de
24.04.1880- p. 4; DD de 5.05.1880- p. 4
(54) DD de
15.11.1883- p. 4
(55) DD de
21.11.1883- p. 4
(56) DD de 6.12.1883-
p. 4
(57) DD de
24.01.1887- p.2; ver também DD de 17.01.1886- p. 3; DD de 23.07.1886- p.2
(58) “DICIONÁRIO Histórico-Biográfico
do Estado do Paraná”- op cit, p. 471
(59) DD de
24.11.1883- p. 4
(60) DD de
27.12.1873- p.4. Cf também o “Boletim Informativo da Casa Romário Martins”-
Fundação Cultural de Curitiba- v.23, nº 110, março de 1996- p. 7, 18 e 20
(61) DD de 8.04.1874-
p.3 (seu nome consta aí como “Frederico Antonio Munhós); ver também DD de
28.03.1874- p. 3.
(62) DD de
14.09.1888- p.2
(63) “DICIONÁRIO
Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”, op cit, p. 307
(64) DD de
15.12.1880- p. 3
(65) DD de 1.04.1882-
p. 3
(66) DD de 9.03.1881-p.3
(67) DD de
28.06.1881- p.2
(68) DD de
11.12.1879- p.3
(69)Cf o link abaixo,
acessado em 11.04.2011:
![]() |
Primeiro prédio da Estação Ferroviária de Curitiba- início da década de 1890 (acervo Cid Destefani) |
![]() |
Rua da Liberdade (atual Barão do Rio Branco)- à esq, estação de bondes de mulas; à dir, prédio da Assembleia Legislativa- 1893 (acervo Cid Destefani) |
![]() |
Pipeiro entregando água no centro de Curitiba- 1900 (acervo Cid Destefani) |
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